Resumos de Filosofia e Pensamento Crítico

Áreas Temáticas da Reflexão Filosófica

LÓGICA – Desenvolve-se em torno da problemática das formas de raciocínio. Teoria do pensamento correcto. As formas, as leis e a correcção formal do pensamento. O pensamento puramente em si mesmo sem referência ao objecto. Mundo das ideias, juízos, raciocínios, processos de distinguir, abstrair, concretizar, relacionar, inferir, concluir. Operações com as quais conhecemos as coisas ou nos aproximamos do seu conhecimento. Em que condições podemos considerar um raciocínio correcto ou incorrecto? Quais são as condições formais de validade do pensamento?

ÉTICA – Desenvolve-se em torno da problemática do agir humano norteado por valores. O que faz com que uma acção seja boa ou má? O que é o bem e o que é o mal? Na escolha do decidir na vertente pessoal, interpessoal e institucional. A autonomia da consciência e responsabilidade morais. Na moral a acção é ainda exterior ao sujeito, são hábitos praticados pelas normas e pelos costumes. A regra e a lei como cristalização do hábito. Na ética o agir surge da própria interioridade pessoal. A acção é fiel ao centro pessoal. A moral considera o agir na sua relação com a lei. A ética trata do fundamento da moral.

AXIOLOGIA – Desenvolve-se em torno da problemática dos Valores. Ciência dos valores. O que é precioso, digno de ser estimado. O que é que nos faz preferir uma acção em vez de outra? Que valores nos fazem mover?

ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA – Desenvolve-se em torno da problemática da existência humana, concebendo o homem como uma totalidade e não como um conjunto de fragmentos. O que é o homem? Como entender a natureza humana? O falar, o apaixonar-se, o ter de morrer, o rezar, etc.

FILOSOFIA SOCIAL E POLÍTICA – Desenvolve-se em torno da problemática das formas de organização humana das sociedades e da forma como se gere o poder. Em que consiste o poder político? Em que se fundamenta e o que o legitima? O animal é também social mas só o homem é político, pois o seu carácter específico é o de viver integrado nesse organismo social que constitui a polis, que é para ele ao mesmo tempo que necessidade natural, necessidade moral e ideal.

ESTÉTICA – Aborda a problemática do belo e do juízo de gosto. O que leva a considerar algo como arte? Em que se fundamentam os nossos juízos de gosto? Ocupa-se como estética da definição de gosto e do conhecimento artístico em geral. E ocupa-se dos problemas teóricos e técnicos das artes individuais como ciência da arte.

GNOSIOLOGIA ou TEORIA DO CONHECIMENTO – Problemática do conhecimento em geral. Teoria do pensamento verdadeiro. Pressupostos materiais do conhecimento científico. A significação objectiva do pensamento na sua referência aos objectos. Análise das relações entre o Sujeito e o Objecto. Teoria da Possibilidade, da Origem e da Natureza do Conhecimento. Teoria da Relação do Conhecimento com a Acção, com a Linguagem e com o Ser.

Possibilidade do Conhecimento: Dogmatismo: sim.
Cepticismo: não.
Criticismo: as duas.

Origem do Conhecimento:
Racionalismo: na razão.
Empirismo: na experiência.
Apriorismo: à priori e na experiência.

Natureza/Essência do Conhecimento:
Realismo: no objecto exterior e independente.
Idealismo: imanente do interior do sujeito.
Idealismo Transcendental: no fenómeno, mas                       
não podemos conhecer o númeno (a coisa em si mesmo).

EPISTEMOLOGIA – A reflexão específica sobre o conhecimento científico. Teoria da ciência. Reflexões sobre aspectos metodológicos e sobre o estatuto do conhecimento científico. Que validade têm os métodos científicos? Como progride a ciência? O que se entende por objectividade? A indução a dedução, etc.


Teoria da Relação do Conhecimento com a Acção, Linguagem, Ser:

Relação Conhecimento/Acção:
Poderemos separar o Conhecimento da acção?
O próprio Conhecimento pode ser encarado como uma actividade.

Existe entre estes elementos uma dialéctica: situação de diálogo constante de dependência recíproca.

Filogénese: Processo evolutivo da Espécie. Darwin.
Ontogénese: Processo evolutivo do Indivíduo. Piaget.

Relação Conhecimento/Linguagem:
Poderá haver Conhecimento sem Linguagem?
A nossa actividade cognitiva é mediada pela linguagem.

FILOSOFIA DA LINGUAGEM – Desenvolve-se em torno da problemática da natureza e dos poderes da linguagem e da sua relação com o homem. Será a linguagem uma ferramenta de que nos servimos para falar? Que funções tem a linguagem? A questão filosófico/linguística. Que significado tem para a clara compreensão de algo, a palavra determinada que lhe está expressamente associada.

Wittgenstein:
Linguagem Retrato: A filosofia mostra e clarifica a relação que existe entre a linguagem e a realidade.
Jogos de Linguagem: A tarefa da Filosofia consiste em compreender, clarificar e descrever a linguagem e evitar mal entendidos.

Gadamer: Experiência, Linguagem e Mundo: A nossa maneira de ser e de estar no Mundo baseia-se na Experiência e na Compreensão. As palavras estão ligadas à Experiência: Dialéctica e Histórica.

Dimensão Hermenêutica: Na interpretação de textos a Linguagem permite a revelação do Mundo e esta revelação passa sobretudo pela Compreensão que é inseparável da Tradição e da Linguagem.

HERMENÊUTICA – Desenvolve-se em torno da problemática da compreensão e da interpretação. O fenómeno da compreensão naquilo em que ele ultrapassa e transcende a mera interpretação textual. Fundamental em todas as disciplinas das humanidades, enquanto estudo da compreensão das obras humanas, sejam elas escritas ou qualquer outra obra de arte. Que acontece quando compreendemos algo? Como é que se desenvolvem os processos de interpretação?


Relação Conhecimento/Ser:

Possibilidade/Impossibilidade do Conhecimento do Ser em Si.
Poderemos conhecer o Ser enquanto tal?

ONTOLOGIA – Tarefa da filosofia primeira (Aristóteles). Desenvolve-se em torno da questão do Ser. Ciência do Ser. Como podemos compreender o que existe? O que é o real? O que é que faz com que o real seja real? O que pertence ao domínio do ente (do existente)? O que é o ser enquanto ser? O ser como o termo mais geral. Metafísica geral (por oposição à metafísica particular, Deus, Homem, Mundo, etc.)

Metafísica geral: Ontologia = Estuda o Ser em Geral

Outras áreas específicas do Ser:

Poderemos Conhecer os limites do Mundo?
Metafísica específica/particular: Cosmologia = Mundo

Poderemos Conhecer o destino da Alma?
Metafísica específica/particular: Psicologia = Alma

Poderemos Conhecer os desígnios de Deus?
Metafísica específica/particular: Teologia = Deus

Os modos como o Conhecimento se relaciona com o Ser: Metafísica e Hermenêutica.


 
A – Argumentação e Retórica

1 – A Lógica e os 3 Princípios lógicos do Pensamento

Lógica significa: razão, pensamento, discurso, palavra. É a disciplina que se dedica ao estudo daquilo a que deve obedecer a Linguagem e a Lógica.

Os 3 princípios lógicos:

O Princípio
da Identidade: uma coisa é o que é; toda a coisa é igual a si mesmo.

O Princípio
da Não-Contradição: a afirmação é, e a negação não é, é impossível que
sejam verdadeiras ao mesmo tempo.

O Princípio
do 3º Excluído: uma coisa deve ser ou não ser, não há terceira possibilidade.

Uma coisa é o que é; é igual a si mesmo.
É e não é, é impossível que seja ao mesmo tempo.
Logo, ou é ou não é, não há terceira possibilidade.


2 – A relação dos Instrumentos lógicos do Pensamento

Os instrumentos lógicos do pensamento são: Conceito, Juízo e Raciocínios.

Conceito/Termo

O Conceito é uma ideia ou imagem, de características permanentes, imutáveis e universais. É uma representação mental, abstracta e geral que reúne características comuns de um certo conjunto de seres que se distinguem de uma outra classe de seres. Porque nada afirma e nada nega, constitui o elemento básico do pensamento.
Para a representação de um conceito, utilizamos o Termo como expressão verbal, para materializar esse conceito, ideia ou imagem. O termo pode ser constituído por uma ou mais palavras.
Entendemos melhor o conceito, distinguindo a Extensão da Compreensão, ou seja: quanto mais estendemos em abstracto o alcance do conceito, maior é o número de elementos que nele visualiza-mos e integramos. Porém, em razão inversa, à medida que diminui a extensão mais abstracta e mais universal, para menos universal e menos abstracta, a imagem do conceito torna-se mais concreta e mais compreensiva na quantidade das características comuns.
Os conceitos só são verdadeiros ou falsos quando combinados logicamente entre si, através dos juízos. Para propormos um juízo precisámos destes conceitos.

Juízo/Proposição

O Juízo é uma operação intelectual em que estabelecemos uma relação de conveniência afirmativa, ou de não conveniência negativa, entre conceitos, relação que pode ser considerada verdadeira ou falsa. Os juízos são verdadeiros ou falsos, conforme a veracidade ou falsidade ao qual dizem respeito no conteúdo concreto do juízo, isto é, se um juízo reflecte ou não aquilo que na realidade acontece. O resultado do juízo como acto mental, é a sua materialização na proposição, que é a expressão verbal do que é afirmado ou negado.
A Proposição contém nela o Sujeito, aquele acerca do qual se afirma algo; o Predicado, que é a característica ou qualidade que se afirma ou nega do sujeito; a Cópula ou Elo de ligação entre o sujeito e o predicado; e o Quantificador, que negativo ou afirmativo, quantifica o/os sujeitos, que são Universais (Todos ou Nenhum) ou Particulares (Alguns).
Ao estabelecermos um nexo lógico nos juízos fazemos um raciocínio.

Raciocínio/Argumento

O Raciocínio ou Inferência, é também uma operação intelectual, mediante o qual o pensamento de uma ou mais premissas conhecidas e relacionadas entre si, parte para novas proposições que delas derivam logicamente.
As várias proposições que apoiam a conclusão, têm o nome de premissas, que fundamentam ou justificam a conclusão, que é o que é afirmado pelas várias premissas.
E assim, neste processo, elaboramos argumentos que são a expressão verbal ou materialização do raciocínio.
Argumentar é afirmar ou negar algo, apresentando razões que suportem ou justifiquem tal atitude. É uma sequência de proposições que utilizamos para justificar algo.


3 – Tipos de Raciocínio

Raciocínio Dedutivo (lógica formal) validade (válido ou inválido) demontração

Indutivo ou Não dedutivo (lógica informal) verdade (verdadeiro-falso) argumentação

Dedutivos (lógica formal) – geral/particular - de 256 possíveis, apenas 9 são válidos (aristóteles)
Silogísticos – Hipotético ou Disjuntivo
Proposicionais – Modo de Pôr, Modo de Tirar, Dilema e Redução ao Absurdo.

Não Dedutivos e Indutivos (a conclusão não depende da forma lógica)
Indutivos: (probabilidade) particular/geral
Generalização (com base em exemplos)
Previsão (correlação Passado/futuro)
Por Analogia (comparação de semelhanças = isto é como aquilo) particular/particular
Por Autoridade (especialistas) nem particular nem geral

Do Geral = mais abstracto, mais universal.
Do Particular = mais concreto, menos universal.


Argumento Raciocínio Dedutivo - mediato e rigoroso não aumenta o conhecimento. Da lógica formal, válido ou inválido, a conclusão depende da forma lógica. De premissas válidas, conclusão necessariamente válida. Do geral para o particular ou do mais abstracto e universal para o mais concreto ou menos universal.

Silogísticos – Hipotético ou Disjuntivo
Proposicionais – Modo de Pôr, Modo de Tirar, Dilema e Redução ao Absurdo.

Dadas certas premissas, só se pode logicamente tirar uma determinada conclusão. A conclusão deriva necessariamente das premissas. A forma lógica (como se relacionam as premissas) é determinante para garantir a validade do raciocínio. A conclusão não fornece nenhuma informação nova.

Uma dedução é um processo de raciocínio na qual a conclusão é alcançada a partir de um conjunto de premissas em que a inferência é logicamente válida. Derivam-se certos enunciados de outros enunciados de um modo puramente formal, apenas em virtude da forma lógica. O método dedutivo é usado em todas as ciências, mas é particularmente mais apropriado nas ciências mais formalizadas, como a lógica a matemática e a física teórica.

Ex. Em Sevilha nunca nevou nem nunca nevará
Este inverno vou a Sevilha
Logo, não verei neve.

Ex. Todos os habitantes do norte do país são mordidos por insectos
Os vianeses são habitantes do norte do país
Logo, todos os vianeses são mordidos por insectos
Não Dedutivos e Indutivos: de lógica informal, verdadeiro ou falso, a conclusão não depende da forma lógica


Argumento Raciocínio Indutivo – imediato e com base na probabilidade, não é rigoroso porque possibilita excepções, mas amplia o conhecimento. Do particular para o geral ou do mais concreto e menos universal para o mais abstracto e mais universal. Parte de um caso particular para uma conclusão que diz respeito a todos os particulares.
São argumentos cuja conclusão não deriva necessariamente das premissas. É um argumento no qual as premissas suportam ou apoiam a conclusão de um modo que, se supusermos virmos que são verdadeiras, então a conclusão é provavelmente verdadeira mas não necessariamente verdadeira. A força depende da probabilidade dos casos representativos que devem ser muitos casos observados e não pode haver contra exemplos a tais casos.

Qualquer processo de raciocínio que nos conduza de premissas empíricas (provenientes da experiência) a conclusões empíricas, que apesar de apoiadas pelas premissas, não são dedutivamente (logicamente ou necessariamente) deriváveis delas.

Generalização (com base na aplicação de vários exemplos)
Argumentos em que a partir do que é verdadeiro para alguns casos ou
exemplos particulares se infere uma conclusão que se pretende ser
verdadeira para todos os casos em geral.
Quando generalizamos a partir de um número não representativo de
casos, incorremos na falácia da generalização precipitada.

Ex. Todos (observação de todos um a um) os corvos que foram observados eram negros
Logo, todos os corvos são negros

Previsão (correlação Passado/Futuro = provável)
Parte-se de um conjunto de casos ocorridos no passado e conclui-se que o
mesmo se verificará no futuro, em relação a um determinado caso particular.

Ex. No passado o sol nasceu todos os dias
Logo, o sol vai nascer amanhã.




Argumento Raciocínio por Analogia – por comparação de semelhanças e relações por semelhanças (várias semelhanças relevantes, numerosas) de um caso específico para outro semelhante, ou seja: isto em relação aquilo, é como aquilo. Do particular para o particular. Não pode haver diferenças relevantes.

Pretende-se concluir que algo é de certo modo, porque em algo, é semelhante a outra coisa que é desse modo. É um raciocínio comparativo ou uma inferência por comparação da semelhança entre objectos de espécies diferentes. A conclusão vai mais além do que dizem, por isso, a verdade das premissas não garante a verdade da conclusão. Concluindo a partir das semelhanças, nada impede que existam diferenças que levariam a resultados diferentes. Por isso, as conclusões a que se chega não são absolutamente seguras, mas apenas mais ou menos prováveis.

Em vez de se multiplicarem exemplos para apoiar uma generalização, a analogia argumenta a partir de um caso, exemplo específico ou particular, para provar ou mostrar que outro caso, semelhante ao primeiro em muitos aspectos, é também semelhante em outro aspecto determinante.

Ex. As mulheres são como os homens
Os homens têm direito de votar
Logo, as mulheres também têm direito de votar



Argumentos por Autoridade – nem do particular nem do geral.

Num argumento por autoridade usa-se a opinião de um especialista para defender uma ideia.
O argumento procura apoiar-se no testemunho de pessoas ou instituições que se assume possuírem conhecimentos seguros acerca da matéria em causa. As autoridades não podem discordar entre si significativamente quanto à questão em causa.
Afirma-se que é verdadeiro porque foi o pai, o professor, o padre, o cientista ou o instituto nacional de estatísticas que divulgou.

Ex. Kant defende que há experiência estética
Logo, há experiência estética                                                


4 – Distinção entre Demonstração e Argumentação

Tanto a demonstração como a argumentação são manifestações de racionalidade mas que têm usos diferentes.

Demonstração é do domínio da lógica formal, da validade formal e depende da estrutura formal do raciocínio que exclui as ambiguidades. É do domínio da evidência e da verdade, exclui ambiguidades, não depende da opinião. Usa a relação necessária entre a conclusão e as premissas. Os raciocínios são impessoais e com necessidade lógica. É de interpretação unívoca, uma única prova pode ser decisiva. Visa o auditório universal que no entanto não é implicado, pois a verdade vale por si mesma.

Na demonstração a validade não depende em nada da opinião, porque a prova desenvolve-se de um modo abstracto independentemente de qualquer contexto.

Demonstrar é fornecer provas lógicas irrecusáveis, encadeando proposições de tal modo que, a partir da primeira, se é racionalmente constrangido a aceitar a conclusão.

Argumentação é do domínio da lógica informal, da verdade material e depende da matéria ou do conteúdo do raciocínio. É um procedimento dialógico que usa juízos de valor. Não desprovido de ambiguidades, é do domínio do verosímil, do plausível e do provável e não depende da objectividade da demonstração, mas do domínio da opinião. Os raciocínios são pessoais e sem necessidade lógica. De argumentação mais ou menos abundante, visa provocar a adesão convencendo o auditório particular que é implicado na busca do preferível.

Na argumentação a conclusão é mais ou menos plausível, porque as provas apresentadas são susceptíveis de múltiplas interpretações e frequentemente marcadas pela subjectividade de quem argumenta e do contexto em que o faz.

Argumentar é fornecer razões a favor ou contra uma determinada tese, tendo por finalidade provocar a adesão das pessoas a essa tese ou conclusão. É um método pela qual uma pessoa ou um grupo tenta conduzir outros a adoptar uma certa posição convencendo-os de que uma determinada tese é preferível a outra.


5 – Falácias

Falácias Lógicas Informais: são erros voluntários ou intencionas.

Paralogismo = Erro involuntário.
Sofisma = Erro voluntário, intencional.

Apelo ao Povo – às emoções do auditório, ou tomar o comportamento da multidão como
exemplo a seguir, para direccionar o comportamento de um grupo de
pessoas. Publicidade, política.
Apelo à Força – de alguém, fazer ameaças, recorrer à violência.
Apelo às Consequências – apontar consequências desagradáveis.
Apelo à Ignorância – defender afirmação verdadeira porque não há provas em contrário.
Apelo à Autoridade – argumento fundado na Autoridade de Pessoas ou Instituições.
Apelo à Misericórdia – ao sentimento de piedade ou compaixão.
Contra a Pessoa – em vez de apresentar razões contra a opinião ou tese, ataca a pessoa.
Falso Dilema – reduzir opções possíveis a apenas 2, ignorando alternativas.
Ignorância da Questão ou Irrelevância – desviar da questão essencial para algo diferente,
para fazer esquecer o essencial.
Petição de Princípio ou Raciocínio Circular – conclusão já está nas premissas ao assumir como
verdadeiro o que se pretende provar.
Generalização precipitada – quando os casos observados são insuficientes.

Falácias são argumentos maus que parecem bons.



6 – Estrutura do Texto argumentativo

O Tema que é o assunto que se testa.
A Tese é a opinião que o autor do texto expressa sobre o tema.
Os Argumentos são aquilo a que se recorre para fundamentar uma tese.
A Conclusão é uma síntese final que condensa os argumentos mais significativos de uma tese.

 


7 – Técnicas de Persuasão de Aristóteles

Quanto mais eficaz o Ethos perante o Pathos através do Logos melhor e mais persuasão obtém.

Ethos – é o Carácter pessoal do Orador e consiste no Poder Persuasivo que vem do Prestígio e da Autoridade Moral e Científica do Orador, assim como das suas virtudes como a responsabilidade, a honestidade e a integridade pessoal, para melhor conquistar a confiança do público.

Pathos – é o receptor, o estado Emocional do Auditório que é percorrido por paixões e emoções desencadeadas pelo discurso do orador. Os sentimentos despertados no auditório são determinantes para a recepção da mensagem.
O Contexto de Recepção é o conjunto de opiniões valores e juízos que o auditório partilha e que serão fundamentais na recepção do argumento, determinando a sua recepção ou rejeição.

Logos – é o Argumento propriamente dito, a mensagem, o discurso, a palavra, o pensamento, a tese.

O Orador é aquele que procura obter a adesão para com a sua tese.
O Auditório é a pessoa ou pessoas que o orador quer convencer.


8 – Retórica e Nova Retórica

A retórica esteve intimamente ligada à implantação das instituições democráticas nas cidades Gregas. Enquanto arte de bem falar e persuadir um auditório, surgiu e desenvolveu-se na Grécia Clássica séc. V a. C. e com ela surgiram os Sofistas que ensinavam a juventude. Contra a Retórica Sofista reagiu Sócrates, que desenvolve o seu ensino através do seus diálogos polémicos, que contrastavam e confrontavam as ideias dos retóricos. Como consequência das divergências, delimitaram-se: de um lado os Retóricos e do outro os Filósofos.

Nesta época, os Filósofos que antes dirigiam o seu pensamento para o Cosmos, começaram a dirigir os seus pensamentos para a vida Humana. A vida democrática de Atenas convidava à participação dos cidadãos na política, e por isso, a organização política, a democracia, o cidadão e a lei, transformam-se em motivos de reflexão filosófica de uma sociedade aberta. Dá-se a deslocação dos problemas lógicos do Cosmos para os problemas Políticos e por via destes, para os problemas Antropológicos, Éticos e Educativos. Os protagonistas da filosofia, nos interesses pelo homem e suas questões Políticas e Morais, são os Sofistas e Sócrates.

Os Sofistas eram educadores itinerantes, especialistas na arte de bem falar e discutir, vendiam o seu saber a quem pagasse. O método usado consistia na persuasão com que impunham as suas ideias como únicas e verdadeiras (mesmo que fossem falsas). Praticavam o cepticismo como atitude filosófica (desconfiança a respeito do saber absoluto) e a verdade como relativa e não absoluta (pois as leis e os códigos variam de povo para povo, são feitas pelo homem e não feitas pela origem Divina).

Sócrates utiliza o método Dialéctico. Através do diálogo, leva o interlocutor a descobrir por si próprio conceitos Morais e Universais. Pela interrogação constante, leva o interlocutor a tomar consciência de que nada se sabe, a reconhecer a sua própria ignorância e a encontrar dúvidas. O método consistia em fazer perguntas, de maneira que fosse o interlocutor a extrair de si mesmo as formulações correctas sobre o tema em questão.

Sócrates era educador da cidade, que ao interrogar os homens, procura fazer com que pensem e descubram que não sabem o que julgam saber e que sabem aquilo que julgam não saber. Anti-relativista e anti-céptico, Sócrates tenta convencer as pessoas através do seu diálogo e assim combate o relativismo e o cepticismo dos Sofistas.

Para Aristóteles que desenvolve as técnicas de persuasão: ethos pathos logos, a sua arte Retórica, propõe: critérios que não assentavam no objecto ou assunto de que as ciências tratavam, mas na sua finalidade. O campo da acção dos Valores, das relações Humanas, da Justiça, da Política e da Economia, não pode reger-se por verdades científicas demonstráveis pois é o terreno das crenças e das opiniões mais ou menos prováveis, algumas das quais apresentam carácter controverso e acerca dos quais o auditório deve pronunciar-se. Neste campo, os Raciocínios Dialécticos e os Discursos Retóricos são as técnicas adequadas para introduzir alguma racionalidade.

Retórica é a capacidade de descobrir o que é adequado com o fim de persuadir.
Dialéctica visa construir ideias, produzir conhecimentos.
Ambas: Retórica e Dialéctica, partem do verosímil e nenhuma delas depende da objectividade da demonstração.
A Nova Retórica visa uma racionalidade argumentativa que deve ser universalmente reconhecida pela adesão do auditório plural à tese que o discurso propõe.
A Retórica negra, visa enganar, iludir, manipular.
A Retórica branca, visa descobrir a retórica negra, sendo uma arma para uma crítica lúcida e
consciente contra a manipulação.

 
Retórica e Democracia na Actualidade

Com a ascensão dos Regimes Democráticos e do respeito pela dignidade de todas as pessoas assim como pelos Valores da Igualdade, Liberdade e Justiça, todos os homens são iguais em Direitos e a todos compete participar activamente na resolução dos problemas da Sociedade. E a melhor forma de os resolver, passa pela palavra, sendo a Argumentação o processo mais favorável de descoberta de soluções. Daí que a Retórica, intrinsecamente ligada à vida “polis” grega, ressurja na contemporaneidade (pelo pensador Perelman) como modelo de inspiração, adaptada nos seus aspectos positivos à realidade dos nossos dias. Retorna como Argumentação numa concepção moderna.

A Retórica repudia o Dogmatismo – as pessoas aprendem a não tomar as suas opiniões e a dos outros como verdades indiscutíveis.

Opõe-se à aceitação de verdades únicas – na pluralidade de perspectivas sobre o mesmo assunto, rejeita qualquer carácter definitivo das opiniões.

Promove o exercício do diálogo – ao reconhecer que a discussão e troca de argumentos é a forma mais eficaz de chegar a consensos, pondo de lado os métodos persuasivos indesejáveis e as tentativas de domínio.

Valoriza a racionalidade intersubjectiva – pois sem perderem a individualidade, os interlocutores reconhecem o valor das soluções encontradas no colectivo.

Instiga ao dever da participação – as pessoas são convidadas a exercerem livremente o seu direito, a questionar, aceitar ou recusar as opiniões dos outros e a apresentar e defender aquelas em que acredita.

Em perfeita relação com a nova racionalidade, estes aspectos recorrentes da prática argumentativa pressupõem relatividade e discutibilidade de posições, incentivam a salutar convivência entre as pessoas, habituadas ao respeito de princípios e regras que o bom uso da argumentação implica, as pessoas exigem cada vez mais o sentido da necessidade de se assumirem como seres empenhados, tolerantes, responsáveis e críticos.


9 – Persuasão Racional e Irracional (manipulação)

Persuadir não é a mesma coisa que manipular. A diferença reside na intenção do Orador.

A Persuasão apela não só à razão, mas também à emoção para influenciar o auditório. Apela mais ao coração do que à razão, apela mais ao sentimento e mobiliza mais o inconsciente do que o consciente. Usa como estratégia, imagens, factos ou testemunhos, para criar no público-alvo uma fácil adesão às mensagens transmitidas.

Persuasão Racional – consiste em convencer o auditório a aceitar ou optar pela tese do orador, de forma séria e honesta, sem recorrer à violência. Neste caso, estamos perante o bom uso da retórica que se preocupa com a busca da verdade e com o respeito pelos outros (é a retórica branca).

Persuasão Irracional é Manipulação Imoral – consiste no uso abusivo da argumentação com o objectivo de levar o auditório a aderir acrítica e involuntariamente às teses propostas pelo orador. Sem escrúpulos, vale tudo para ganhar. Neste caso, estamos no reino do mau uso da retórica, cujo objectivo é argumentar para ludibriar em função do interesse do orador (é a retórica negra).

A manipulação é uma acção planificada ao milímetro para provocar a adesão incondicional a uma ideologia totalitária.

A manipulação pode ser feita ao nível dos afectos ou das informações.

O discurso de propaganda política: é dirigido a vários auditores particulares, é sedutor, é muitas vezes manipulador e demagógico, utiliza expressões ambíguas e as repetições, reforça opiniões prévias, forma e é formado pela opinião pública.

O discurso publicitário: é dirigido a um auditório específico, tenta responder a necessidades mas também as cria, é sedutor e sugestivo pois dirige um apelo específico à emoção, à sensibilidade e à razão, que é posta de lado em detrimento do desejo. Visa tornar sedutor, agradável e desejável um dado produto.

O bom uso da retórica e a necessidade de limites éticos para a persuasão, está nas regras que impedem a manipulação.

A Liberdade de Expressão e de Mediação, têm como limite a Liberdade de Recepção. As três correspondem a uma democracia madura e à expansão da liberdade pura e simples, no sentido do bom exercício da liberdade e do discurso.

O que torna um argumento sólido bom, é o ser persuasivo, ou seja, premissas mais plausíveis que a conclusão.

Um argumento pode ser dedutivamente válido e não ser persuasivamente bom.

Nem todos os argumentos persuasivos são bons, mas todos os argumentos bons são persuasivos.


A Arte de Argumentar

A Redacção de um Argumento Curto

1- A distinção entre premissas e conclusão.
O primeiro passo para redigirmos um argumento é perguntarmos: o que desejamos provar? Qual a conclusão? A conclusão é a afirmação para a qual vamos apresentar razões nas premissas.

2- Apresente as suas ideias por uma ordem natural.

3- Parta de premissas fidedignas.
Premissas fracas conclusão fraca. Se a premissa for fraca (deve ser fidedigna) é melhor mudar.

4- Use uma linguagem precisa, específica e concreta.

5- Evite a linguagem tendenciosa (que influencia as emoções).
Se não conseguimos imaginar como pode alguém defender o ponto de vista que estamos atacar, é porque ainda não o compreendemos.
A linguagem tendenciosa, exagerada e manipuladora para influenciar, só prega aos fieis já convertidos, mas a apresentação cuidadosa dos factos é capaz de conversões.

6- Use termos consistentes.
Termos consistentes tipo ”é de direita” e não “é do tempo da outra senhora” e coerência nas conexões entre as premissas.

7- Limite-se a um sentido para cada termo.
Às vezes a mesma palavra é usada para vários sentidos.

A Exploração do Tema do Ensaio Argumentativo

1- Explore os argumentos de todas as posições.

2- Avalie e defenda cada premissa do argumento.

3- Reveja e repense os argumentos à medida que surgem.

 
Os Pontos Principais do Ensaio Argumentativo

1- Explique a questão.

2- Faça uma afirmação ou uma proposta precisa.

3- Desenvolva completamente os seus argumentos.

4- Considere objecções possíveis.

5- Considere alternativas.

 
Escrever o Ensaio Argumentativo

1- Siga o seu esboço.

2- A introdução deve ser breve.

3- Apresente os seus argumentos um por um.

4- Clarifique, clarifique, clarifique.

5- Sustente as objecções com argumentos.

6- Não afirme mais do que mostrou.

 


B – A Acção Humana e os valores

10 – Diferença entre o que nos Acontece e o que Fazemos

Condutas humanas:

O que fazemos e o que nos acontece são coisas distintas.
Somos Actores relativamente ao que fazemos e Receptores ao que nos acontece.

No que nos acontece, como voz passiva, o sujeito sofre a acção, limitando-se a suportar os efeitos de algo que é produzido, sem que sejamos nós os autores e sem a nossa participação ou interferência. O princípio da acção não está no agente nem sob controlo do agente, são eventos que acontecem na Natureza como fenómenos e no Ser Humano por necessidade biológica e por acidente ou força exterior.
São Actos Involuntários ou actos do homem que escapam à nossa vontade, que não pressupõem qualquer intenção tendo nós de a realizar independentemente da nossa vontade: tossir, respirar, transpirar, digestão, etc. Conjunto de movimentos de natureza instintiva ou habitual, praticados sem a intervenção activa da vontade.

No que fazemos, como voz activa, o sujeito pratica a acção, o que pressupõe que sejamos nós a tomar a iniciativa, sentindo-nos autores ou causa das acções. São actividades genuinamente humanas como: Fazer ou Produzir sobre a natureza: construir, fabricar, etc. E Agir, que são as Acções Humanas que realizamos sobre nós e com os outros: aprender, cuidar da saúde, comunicar, colaborar, etc.
São Actos Humanos voluntários, conscientes e intencionais que implicam vontade e que exigem que tenhamos a intenção de as levar a cabo: dançar, ler, trabalhar, cozinhar, etc.

Entre acontecer e fazer existem os Actos mistos: em parte voluntários e livres, em parte involuntários ou forçados:
- actos impulsivos por constrangimento interno/psicológico (apetites, vícios)
- actos forçados por constrangimento externo ou acto (para evitar males maiores)
- actos inevitáveis por constrangimento externo das circunstâncias (salvar outros)
- actos equivocados por ignorância dos efeitos ( má consequência de um bom acto



11 – A Acção Humana e os 4 elementos do Acto de Vontade

A Rede Conceptual da Acção Humana
Nem tudo o que realizamos, constitui uma acção.

A Acção Humana aplica-se apenas às acções que são voluntárias, conscientes, livres e intencionais e nas quais existe da parte do agente, uma clara intenção de produzir um dado efeito para que determinado evento aconteça. É uma interferência consciente e voluntária de um agente no normal decurso das coisas, que sem a sua interferência haveriam seguido um caminho distinto do que por causa da acção seguiram.

A intenção subjacente do agente (deliberada ou não, consciente ou não, estratégica ou não) e a sua responsabilidade, provoca uma realização posterior, como efeito de uma articulação intencional ou de uma finalidade, e esta relação, significa a entrada nos terrenos da reflexão ética, moral ou jurídica.

O Agente é aquele que age, a quem é atribuída a acção. É o ser humano que produz a acção e é responsável por ela, o que implica a liberdade e a vontade.

- Na Concepção, estabelecemos conscientemente uma meta a atingir e esboçamos os meios de a alcançar. É aqui que o ser humano delineia o plano de acção a desenvolver.

O Motivo é aquilo que justifica a acção. Os motivos são as razões ou explicações que permitem compreender a acção. O motivo responde à questão do porquê da intenção, explica-nos as razões. O motivo é motivo de uma intenção.

A Intenção é o que o agente quer fazer ao agir. Uma acção é realizada intencionalmente quando é realizada por algum motivo. A Intenção é um estado mental mediante o qual se concretiza, se anula ou se mantém um certo estado de coisas.

A Finalidade é aquilo que se projecta realizar, o objectivo para que a acção se orienta.

- Na Deliberação existe uma indeterminação que nos força a reflectir para agir. Mais do que intencional, voluntário e consciente, o acto é premeditado, objecto de um prévio processo de reflexão ou deliberação. Aqui analisa-se as hipóteses da acção, os motivos e as consequências. É neste momento que as nossas capacidades intelectuais mais intervêm, pois temos de avaliar os prós e os contras e ponderar as diversas possibilidades da acção.

- Na Decisão o agente escolhe entre vários rumos possíveis, entre várias possibilidades ou alternativas. Uma vez analisadas as vantagens e os inconvenientes de todas as hipóteses, fazemos uma escolha. O conflito vivido na deliberação será ultrapassado quando tomamos uma decisão. A decisão incide no que é possível ao agente, no que está ao seu alcance e é realizável.

Os Meios, são aquilo a que recorremos para realizar o que projectamos.

- Na Execução pomos em prática, concretizamos a passagem da intenção ao acto, que exige mobilização e dispêndio de energias.

O Resultado é o que o agente realizou ou conseguiu.

As Consequências são o modo como o resultado da acção afecta os outros e a nós próprios.
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12 – Determinismo e Liberdade na Acção Humana

As condutas animais, mesmo nas espécies capazes de uma aprendizagem mais complexa, nunca ultrapassam o reflexo condicionado, pelo que o contacto e o aproveitamento do meio, se processam com base em comportamentos instintivos e habituais num padrão hereditário pré-programado biologicamente. Os animais estão sujeitos a acontecimentos regidos pelo determinismo.

No Ser Humano a acção ultrapassa estes mecanismos primários, ascendendo a um nível em que a racionalidade e a liberdade de escolha está deveras implicada. Com ela o homem organiza de modo original os seus programas de vida, discernindo habitualmente o que deseja, o que quer e o que deve fazer. O homem rege a sua acção pelo princípio da liberdade.

Teorias Há livre arbítrio? Tudo está determinado?
Imcompatibilismo Determinismo radical não Sim
Libertismo sim Não
Compatibilismo (determinismo moderado) sim Sim

É justamente no debate entre as teses que negam e defendem a liberdade da vontade, isto é, entre as teses deterministas, indeterministas, compatibilistas e libertistas, que iremos encontrar as diversas respostas para os problemas.

O Determinismo é a tese de que todos os acontecimentos são causalmente determinados pelos acontecimentos anteriores e pelas leis da natureza. O universo físico forma uma imensa cadeia causal no qual cada efeito está determinado pelas causas que o antecederam.

O Determinismo é o princípio fundamental de todas as ciências experimentais, segundo o qual todos os fenómenos naturais estão relacionados uns com os outros através de leis. A partir de determinadas causas prevêem-se os efeitos futuros e a partir dos efeitos determinam-se racionalmente as causas.

Determinismo é a teoria segundo a qual a estrutura do mundo é de tal modo que todo o acontecimento pode ser racionalmente previsto com a maior precisão, se nos forem fornecidas a descrição dos acontecimentos passados, assim como de todas as leis da natureza.

Na posição determinista Laplace diz: “Se um observador ideal conhecesse as posições de todas as partículas num dado instante e conhecesse todas as leis que governam os seus movimentos, poderia predizer e retrodizer toda a história do universo.

Para o físico o Determinismo reduz-se à possibilidade de prever; e o Indeterminismo, à imprevisibilidade e indiscernibilidade.

Filosoficamente, determinismo significa o princípio segundo o qual, tudo o que acontece depende rigorosamente dos seus antecedentes e das suas causas, de modo que o resultado é previsível. Porém, em relação ao homem responsável pelos seus actos, somos determinados por MOTIVOS e não por mera causalidade.

Enquanto que os outros seres se movem de um modo necessário e determinado, nós temos uma significativa margem de liberdade nas nossas acções. Assim sendo, a liberdade de escolha é um dos aspectos que nos permite caracterizar uma acção como especificamente humana.
Não somos livres de escolher o que nos acontece mas somos livres de escolher ou responder desta ou daquela maneira ao que nos acontece, através de diferentes tipos de acção. A liberdade não é algo absoluto mas a possibilidade de escolhermos e decidirmos como agir.

O livre arbítrio é a capacidade para decidir (arbitrar) em liberdade. O problema do livre arbítrio consiste em compatibilizar a liberdade humana com as forças deterministas que a parecem anular.

Em todas as épocas conviveram duas teorias: a defesa do Determinismo e a da Liberdade.

Uma afirma a possibilidade da liberdade humana, pelo menos em relação a determinados actos. A outra nega essa liberdade e afirma que tudo é regido pela necessidade, seja pelos constrangimentos físicos e biopsicológicos seja pelos condicionamentos sociais e culturais. E até hoje não foi possível decidir se alguma destas teorias tem absoluta razão.

Estamos perante um enigma filosófico característico, por um lado, argumentos concluem que a vontade livre não existe no universo, por outro, em factos baseados na nossa experiência, deve haver alguma liberdade da vontade, porque todos a experimentamos em muitos momentos.

Na verdade, coexiste a dupla consciência de que, em relação a certas acções somos livres, mas em relação a muitos fenómenos da nossa existência, somos determinados por mecanismos vários, cujo completo controlo nos escapa.

Nem a liberdade é absoluta, nem o determinismo é completo.

O Determinismo Extremo, defende que todas as nossas decisões são o efeito de uma rede de causalidades fatais, a liberdade de escolha e a responsabilidade moral são puras ilusões.

O Determinismo Moderado, compatível com a liberdade de escolha, ao ter em conta o papel dos processos naturais das nossas acções, considera como componente essencial das acções humanas a dimensão da livre escolha. O determinismo moderado igualmente defende que todos os acontecimentos são rigorosamente determinados por causas, mas acrescenta que as nossas decisões livres, são uma dessas causas.

Enquanto que para o Determinismo Extremo só o real é possível.

Para o Determinismo Moderado o âmbito do possível é mais amplo que o real. Eu poderia ter feito o que não fiz ou ter-me desviado do caminho que segui. É o sujeito que determina as suas razões e deste modo, faz com que as razões o determinem.


13 – As Condicionantes da Acção Humana

Apesar de ser livre, a acção do homem não é absolutamente livre, pois está sujeita a constrangimentos e condicionamentos. E ainda que livre de escolher, a acção humana apresenta-se condicionada a vários níveis: os limites Físico- Biológicos e Psicológicos dos homens e os limites de ordem Histórica e Cultural, ou seja, a Família, a Educação, a Linguagem, os Hábitos e as Crenças, as Normas e a Época, a sua própria Situação e os Valores da sociedade em que se encontra, tudo isto, condiciona a nossa acção. Estamos assim, submetidos à eficácia da História e da Cultura.

No entanto, as Condicionantes são condição essencial, a partir do qual construi-mos a própria Liberdade. Mesmo tendo uma programação Biológica ou Cultural, podemos acabar por optar por algo que não está no programa. Podemos dizer sim ou não, quero ou não quero. Por muito apertado que estejamos pelas Circunstâncias, nunca temos um só caminho a seguir mas vários. Apesar de condicionada, a nossa liberdade implica sempre diferentes possibilidades de escolha, logo, o homem é resultado de suas escolhas. Os mecanismos e condicionantes possíveis, longe de constituírem uma via de sentido único, oferecem diferentes saídas e alternativas. E neste sentido, a liberdade consiste em escolher dentro do possível.

No meio de todas estas limitações e condicionantes, existe o anseio de superação do homem, dos seus limites, da sua Finitude. As condicionantes cercam a nossa Liberdade actual, mas não a podem anular. A Liberdade está inscrita na natureza e transcende-a sempre. E é justamente neste ser transcendental que consiste ser homem. Esta Finitude Humana não é entendida como um limite inexorável a que não se pode escapar, mas como condição de ultrapassagem e realização de valores. O homem, Ser Finito, é simultaneamente livre e Agente Criador. As Condicionantes que nos formam, são por um lado, as marcas da Finitude Humana, por outro, elas devem ser encaradas simultaneamente, como possibilidade essencial da Emancipação Humana.

É precisamente na consciência que o homem tem das suas limitações, que reside a sua Força, a Dignidade e a superioridade Humana. A grandeza humana está naquilo a que o homem pode chegar com a sua livre actuação, na capacidade de tomar racionalmente decisões e de ser capaz de as realizar autonomamente sem obedecer a qualquer coação.

Heidegger, retoma a ideia do horizonte temporal e diz: que o homem é um Ser Finito influenciado pela Cultura e pela Época em que vive. E neste sentido ninguém pode começar pela raiz, a partir do nada.

Se por um lado existem factores que condicionam o agir, existe por outro, uma margem que nos obriga a confrontar com a necessidade de decidir e que nos coloca na posição de responsável último dessas decisões.

Campos de possibilidades: “Nos primeiros anos todas as perspectivas estão em aberto e as possibilidades são ilimitadas. À medida que vamos preferindo possibilidades e realizando-nos, construímos uma orientação e deixamos para trás outras possibilidades. Deste modo, o campo da acção plenamente livre vai-se estreitando, à medida que o tempo e a vida passa. A nossa liberdade actual está condicionada pela História da nossa Liberdade anterior e o homem vai-se assim enredando na sua própria teia, comprometida pelas acções anteriores, pelas tendências profundas, pelas paixões, mas também pelos dotes dados a cada um. O homem está sempre limitado, mesmo nos primeiros anos, mesmo antes de ter tomado decisões e ter começado a dar forma à sua vida.”

A vida do homem forma um todo de tal modo que cada um dos nossos actos leva ou carrega em si, o peso de toda a vida.

As verdades não são absolutas, válidas intemporalmente, mas são sempre relativas aos contextos históricos em que são pronunciadas. O homem é um Ser Finito precisamente porque o seu horizonte, a sua temporalidade, os limites, não são uma limitação que vem de fora, mas parte integrante e constitutiva do seu ser. “ eu sou eu e a minha situação” Ortega y Gasset.

A relação do homem com esses constrangimentos pode ser de luta ou de resistência, mas também pode ser uma relação de jogo ou de cálculo de oportunidades. Na luta ou no jogo entre o cinzel do escultor e a dureza do mármore é que nasce a beleza da obra.


14 – A Acção e a Liberdade do agente

A Finitude Humana não é entendida como um limite inexorável a que não se pode escapar, mas como condição de ultrapassagem e realização de valores. Entre Determinismo e Liberdade, o homem, Ser Finito, é simultaneamente Agente Criador.

Sendo o Ser Humano, constituído pela sua Finitude e Situação, o homem é criado pela Cultura que supera os desafios do seu meio, criando diferentes tipos de Valores, Éticos, Estéticos, Religiosos, etc, que dão sentido à sua Existência. E pela Cultura, o homem cria o seu Mundo com toda a sua complexidade Social, Técnica, Científica, Estética, Religiosa, Linguística, etc.

Mas o Homem, só se torna um agente criador de Valores e de Cultura, na medida em que previamente ele é formado na própria Cultura.

As crianças privadas de todo o contacto social, por exemplo, ficam de tal maneira desprovidas, que se parecerem com animais estranhos. De onde se conclui que, se as Condicionantes que nos formam, são por um lado, as marcas da Finitude Humana, por outro, elas devem ser encaradas simultaneamente, como possibilidade essencial da Emancipação Humana.

As Condicionantes são condição essencial, a partir do qual construi-mos a própria Liberdade. Mesmo tendo uma programação Biológica ou Cultural, podemos acabar por optar por algo que não está no programa. Podemos dizer sim ou não, quero ou não quero. Por muito apertado que estejamos pelas Circunstâncias, nunca temos um só caminho a seguir mas vários. Não somos livres de escolher o que nos acontece, mas somos livres de responder nesta ou daquela maneira ao que nos acontece.

Liberdade é decidir, mas dando-nos conta do que estamos a decidir. É precisamente na consciência que o homem tem das suas limitações, que reside a sua Força, a Dignidade e a superioridade Humana. A grandeza humana está naquilo a que o homem pode chegar com a sua livre actuação, na capacidade de tomar racionalmente decisões e de ser capaz de as realizar autonomamente sem obedecer a qualquer coação.

Reconhecer que o Ser Humano é condicionado por inúmeros factores Físicos, Biopsicológicos, e Histórico-culturais, não significa negar a sua liberdade, apesar de condicionada a nossa liberdade implica sempre diferentes possibilidades de escolha, logo, o homem é resultado de suas escolhas.

A primeira coisa a observar a propósito da concepção da Liberdade Humana, é que ela está essencialmente ligada à Consciência, ao processo da Decisão Racional e acima de tudo à experiência de nos empenharmos em acções Humanas voluntárias e intencionais, que é a pedra basilar da nossa crença na liberdade da vontade.

Não podemos abandonar a convicção da liberdade, porque esta convicção está inserida em toda a acção intencional normal e consciente.

A Liberdade não é um agir omnipotente e incondicionado. Toda a liberdade e criatividade humana, acontecem no âmbito do possível e não numa acção sem condicionamentos que realizaria integralmente todos os meus desejos e vontades.

E nos mecanismos e condicionantes possíveis que se oferecem à acção humana consciente, longe de constituírem uma via de sentido único, oferecem diferentes saídas e alternativas. E neste sentido, a liberdade consiste em escolher dentro do possível


15 – Liberdade e Responsabilidade

E apesar de não podermos sempre realizar de modo integral ou absoluto os nossos desejos e vontades, somos sempre os responsáveis pelas nossas decisões. O Homem não pode não escolher, pois mesmo quando decide abster-se, esta não decisão é ainda uma decisão, uma escolha.

Se por um lado existem factores que condicionam o agir, existe por outro, uma margem que nos obriga a confrontar com a necessidade de decidir e que nos coloca na posição de responsável último dessas decisões.

Descobrimos o mundo quando desejamos concretizar os nossos projectos e realizar empreendimentos. O nosso projecto de fundo, pelo qual somos responsáveis, é a construção de nós mesmos. Cada um de nós tem de encontrar o seu sentido no mundo e realizá-lo. Esta é a nossa tarefa vital pela qual temos de responder, que é sinónimo de Ser Responsável.

Responsabilidade significa responder, ser digno de, igual a, estar à altura de…

O Homem condenado a ser Livre, carrega nos ombros o peso do Mundo inteiro: é Responsável pelo Mundo e por Si mesmo enquanto modo de ser.

Tudo o que me acontece é meu, deve pois entender-se, que estou sempre à altura do que me acontece.

Das mais atrozes situações existentes, não há situação inumana, mas antes irresponsabilidade.

A atribuição das Responsabilidades é a seguinte:

Atribuição Imediata a uma Acção simples.

Atribuição Mediata a uma Acção complexa, que produz efeito sobre coisas, como deslocação, manipulação, transformação, etc. O Agente é o Autor dos efeitos mais longínquos, pois é quem teve a iniciativa.

Atribuição Discriminatória a um Entrelaçamento entre Acções colectivas Históricas, quando é preciso distinguir e referir os acontecimentos aos homens. O que é feito pelo Homem e o que lhe aconteceu.

Atribuição Distributiva a Vários autores que estão na acção global e é preciso atribuir-lhes responsabilidades.

A atribuição de Responsabilidade significa atribuir um Juízo último.
Ser Responsável é ser Censurável ou Punível, Louvável ou Recompensado.

Ser acusado é ter o direito de ser desculpado/ilibado/inocente ou declarado culpado/responsável. A Responsabilidade está ligada às consequências do acto.

A ausência de intenção constitui agravamento ou atenuante Moral ou Jurídica.

Mas a ausência de intenção, não significa ausência de responsabilidade ou impossibilidade de se atribuir responsabilidade, pois não impede que tenhamos que responder por aquilo que ainda que involuntariamente nos acontece ou nos vemos envolvidos.


16 – Juízo de Facto e Juízo de Valor.

Na relação com o seu mundo e a sua história, o homem pode adoptar duas perspectivas ou visões: 
a Descritiva, enunciando Factos; ou a Valorativa, implicando preferências e juízos de valor.

Os Factos referem-se à realidade tal como ela é, correspondem a acontecimentos ou ocorrências. Os juízos de facto apresentam-nos esses acontecimentos de uma forma objectiva, independentemente de qualquer interpretação. Os juízos de facto são neutros e impessoais, correspondem a um registo descritivo e puro, anterior a qualquer valoração. São empiricamente verificáveis. Referem-se ao nível do ser.

Os Valores pertencem ao domínio de um ideal na relação das pessoas com o real. Os juízos de valor dizem respeito à apreciação dos factos, dão origem a uma avaliação, emitem uma opinião pessoal e expressam preferências subjectivas. Não são pois empiricamente verificáveis. Referem-se ao nível do dever ser.

No entanto, é preciso compreender a experiência valorativa:

A percepção visual não é um puro e simples reflexo do que é percebido. O nosso espírito/cérebro está encerrado numa caixa preta: não vê as coisas directamente mas apenas as representa, após um processo complexo de codificação e de tradução. Ele estrutura e organiza representações, produz uma imagem do real. Esta produção é uma tradução e não uma reprodução ou um reflexo. A percepção é um processo em cadeia que se completa na projecção, sob forma de visão ou representação mental dos fenómenos.

Ou seja, os factos não existem completamente abstraídos do sujeito que os percepciona, interpreta e lhes confere uma significação.

Ex: 2 graus negativos em África significa que está frio, mas o mesmo não dirão os Esquimós. E um metro, é uma grande ou pequena quantidade?

Por isto, a realidade é sempre realidade para um sujeito que a interpreta e lhe atribui significações. Os factos são de certo modo, uma construção do sujeito que a configura. O que existe é a leitura de nós próprios da realidade, que passa por ser apresentada como sendo coincidente com a própria realidade.
Sendo a verdade relativa às relações dos factos, uma verdade não é menos verdadeira do que outra verdade; um facto ou é ou não é, não pode ser menos nem mais facto.

Os valores, pelo contrário, significam uma rotura na pretensa universalidade reconhecida aos factos, porque implicam uma preferência que pode ser justificada por coisas e ideias que consideramos boas em detrimento de outras que considerámos más.

Logo, falar de valores significa falar da relação existente entre um objecto, um ser ou um ideal, e uma acção, sem que se considere que este ponto de vista se imponha a todo o mundo. Os valores dizem respeito às acções, justificam as acções.



17 – Historicidade e Perenidade dos valores.

São Perenes, Absolutos, Essencialistas, ou Universais, quando os seus princípios transcendem as circunstâncias. São objectivos, independentes.

São Históricos ou Relativos, quando afectados e condicionados por circunstâncias históricas. São subjectivos, dependentes.

Como Perenes os valores têm algo de intemporal, há uma certa independência dos valores relativamente ao tempo e ao espaço. A justiça e a beleza são valores que sempre se impuseram e dinamizaram os homens na sua realização.

É a corrente essencialista ou substancialista, que defende que os valores são perenes, isto é, independentes do tempo, do espaço e dos seres humanos concretos que os realizam.

Para os essencialistas, os valores não se podem confundir com este ou aquele objecto que eu estimo e cuja existência é limitada, nem com as atitudes fraternas deste ou daquele amigo.

Os valores não são factos empíricos, são antes, objectos ideais, essências absolutas que não dependem da sua realização temporal. Não é porque um amigo me traiu que a amizade deixa de valer.

Os seres realizam os valores que começam por ser algo ideal, uma essência que assume em dados momentos existência, isto é, materializam-se, concretizam-se através do homem.

Os valores valem muito antes de os conhecermos, pois estão fora do tempo como essências e realizam-se no tempo.

O valor sendo ideal torna-se real, assume existência, encarna. Um valor estético converte-se em existencial no quadro do pintor. O valor ético na acção do homem virtuoso. O quadro do pintor passa a chamar-se belo e a acção do homem a chamar-se boa, ou seja, os valores só podem tornar-se existenciais sob a forma de qualidades, características, modos de ser. São de certo modo trazidos e sustentados pelos objectos nos quais se realizam. Estes objectos tornam-se seu suporte. Assim, as coisas são portadoras dos valores.

Os valores não se reduzem ao conhecimento relativo que os sujeitos têm deles, pois o que é relativo é o nosso conhecimento dos valores e não os valores. O conteúdo dos valores é imutável e absoluto. Podem ser melhor ou pior captados ou formulados, mas, em si mesmos, permanecem absolutos e imutáveis.

Na sua Historicidade os valores variam de época para época, pois a acção humana é marcada pela história e depende dos condicionalismos culturais, e por isso, cada época cultural estabelece tábuas de valores, é mais sensível a certos valores e dá sentido às suas realizações por esses valores.

As correntes relativistas, em oposição às teses essencialistas dos valores perenes, rejeitam o carácter absoluto e objectivo dos valores e afirmam a sua historicidade. Defendem que os valores não pairam fora do tempo, não são imutáveis mas relativos. Dependem dos contextos culturais e civilizacionais, das épocas e dos indivíduos concretos que os produzem, e por isto, deparamo-nos com os vários tipos de relativismo axiológico: psicologista, sociológico, etc.

De um modo geral, as teorias relativistas partilham a tese segundo a qual, descobrir os valores é descobrir a actividade de um sujeito, que é o elemento decisivo, sendo os valores o resultado da sua actividade. Neste sentido, os valores são subjectivos, são o resultado da acção e da apreensão de um sujeito.

Assim, para o relativismo axiológico, os valores respondem às características e às necessidades específicas das sociedades, dos indivíduos, ou de períodos históricos determinados. Como tal, são mutáveis e não existem valores universais.

O conceito de beleza da Grécia antiga, corresponde às características próprias daquela sociedade, que são diferentes e até antagónicas de outras ideias de beleza.

Em certos países do médio oriente, as mulheres tomam banho na praia completamente vestidas. O hábito ocidental do biquini, seria nestas sociedades um autêntico escândalo, tal como seria à 30 ou 40 anos atrás na nossa própria sociedade.

Essencialismo ou Relativismo

Entre estas duas posições podemos sublinhar uma terceira via que considera os valores, não como entidades ideais independentes dos sujeitos (como defende o essencialismo na perenidade) nem como o mero resultado da acção criadora dos sujeitos (como defende o relativismo na historicidade) mas antes, como relação entre o sujeito e o objecto. A questão estará em saber articular a relação entre ambos.

Considera-se assim, que o valor, é e não é, um atributo do objecto. O valor reside no objecto, na medida em que a sua relação depende do suporte, isto é, da matéria que lhe dá vida.

A beleza, é a beleza de um quadro ou de uma estátua. A honestidade é a honestidade desta acção e não existe sem a acção que a manifesta. Sem o objecto o valor não existe. O valor é pois, um atributo do objecto.

No entanto, o valor não se esgota no objecto empírico, o valor é algo mais. Este, o objecto, apenas manifesta o valor, torna-o presente. Não dizemos das acções que são a coragem ou das estátuas que são a beleza, mas que são belas e corajosas.

O valor, remete para um dever ser, para um ideal, que os vários suportes materiais podem realizar ou trair, ou seja, uma instituição ou uma lei que pretendem realizar a justiça, tanto o podem fazer, como realizar a injustiça.

O valor é um ideal a atingir, um dever ser, mas este dever ser, é o resultado de uma relação determinada entre um sujeito e um objecto, e não um preexistente intemporal.

Ao descrevermos os valores, não podemos esquecer, nem o sujeito, nem o objecto, nem o ideal que dirige a acção. Estes três elementos estão associados e nenhum se dá sem os outros.

Se apagarmos o sujeito, os valores desaparecem, pois falte quem os faça surgir. Se abstrairmos o objecto, os valores desaparecem por ausência de suporte. Os objectos ou coisas, os actos ou acções, só passam a ser entendidos como valores, a partir do momento em que são reconhecidos como tal, por um sujeito determinado.

O dever ser do valor, depende da relação, que numa situação, coloca o sujeito perante um objecto. Entendido assim, o carácter ideal dos valores perde a sua conotação metafísica.

Se a ordem ideal remete para uma certa relação entre o par sujeito-objecto, e não para um mundo de formas intemporais, então os valores não são eternos e imutáveis, mas têm a ver com os contextos, com as situações e com as épocas.

A historicidade é a sua marca: os valores são pois relativos: dependem das épocas e das diferentes sociedades, as quais são determinantes na constituição dos sujeitos. Daqui decorre a sua precariedade. Aquilo que numa sociedade é aceite, numa outra é rejeitado. E mesmo aquilo que é realizado, não deixa de ser precário, na medida em que não passa de um mero suporte, como tal, distante da esfera ideal que define o valor na sua plenitude.



18 – Fundamentos da teoria de Maslow.

Na Hierarquia das necessidades: Abrham Maslow contribuiu para a Abordagem Humanística centrada na pessoa, concepção que se integra na corrente humanística que pretendia ser alternativa ao comportamentalismo e à psicanálise, que considerava correntes muito deterministas. Maslow partilha de uma concepção que evidencia as potencialidades e as capacidades positivas dos seres humanos, enfatizando o papel da liberdade.

O seu ponto de vista é positivo, optimista e foca-se nas tendências saudáveis presentes em todas as pessoas. Inclui a procura do conhecimento e compreensão, assim como a procura de relacionamentos satisfatórios e o desenvolvimento de experiências emocionais enriquecedoras e únicas.

Maslow criou a hierarquia das 5 necessidades humanas que ele acredita serem responsáveis pela motivação humana: As necessidades fundamentais na base da pirâmide seriam as primeiras a serem satisfeitas, e à medida que estas fossem satisfeitas o ser humano ascende na hierarquia para satisfazer outras necessidades mais completas e mais elevadas.

Há excepção de certas circunstâncias ou obstáculos, no decurso da sua existência o ser humano progredia na hierarquia até ao topo.

Porém, a salientar o facto de que nem todos os seres humanos organizam as suas necessidades do mesmo modo. A organização das motivações ou das necessidades depende de factores individuais, dos grupos em que a pessoa se integra, das situações que se vivem, das experiências anteriores. E uma necessidade não desaparece apenas por que foi satisfeita.


Os 5 níveis da hierarquia:

As necessidades básicas Fisiológicas visam evitar a dor e a morte, são o alimento, a água, o oxigénio, o sono e o calor, são essenciais para a manutenção do estado interno do organismo. As necessidades de segurança surgem quando estas estão satisfeitas.

As necessidades de Segurança Física e Psicológica, manifestam-se na procura de protecção de doenças e de violência no nosso espaço. Quando estas são ameaçadas, normalmente ocorrem distúrbios emocionais, especialmente problemas familiares e dificuldades financeiras. Uma pessoa com medo prescinde da relação com os outros. Os motivos da auto-estima surgirão de seguida mas apenas quando a pessoa se sente segura.

As necessidades de Afecto e de Pertença manifestam-se nos relacionamentos íntimos e nos relacionamentos de grupo, no desejo de associação, participação e aceitação por parte dos outros. O indivíduo procura dar e receber atenção, afeição, aprovação e confiança. A negligência destas necessidades ou falta de equilíbrio necessário, também resulta em distúrbios emocionais ou traumas. Num contexto mais amplo, as necessidades quando são interrompidas ou não encontradas, resultam em desorientação e falta de auto-confiança. Em situações extremas o resultado é a depressão. Do ponto de vista terapêutico, na abordagem humanista centrada na pessoa de maslow ou carl rogers, baseada na aceitação, respeito e confiança, com uma crescente compreensão e empatia, com congruência, autenticidade e com incondicional consideração positiva pela pessoa única, a pessoa normalmente ganha acesso e entra em contacto com o seu verdadeiro potencial e assim, é capaz de lidar com sucesso com os problemas que inicialmente pareciam insuperáveis.

As necessidades de Auto-estima (eu prefiro dizer valor-próprio ou amor-próprio, pois estas vêm de dentro) assumem-se no desejo de nos sentirmos competentes e confiantes na nossa habilidade para resolver problemas e mas também no desejo ou necessidade de estatuto social, reconhecimento e apreciação. De sermos através da prática e da actuação respeitados e reconhecidos por nós e pelos outros. A motivação na participação em actividades sociais. A inseparável estima por nós e pelos outros. Estas necessidades, estão também ligadas à necessidade de realização na procura de sucesso e de prestígio. A frustração desta necessidade gera sentimentos de inferioridade e diminui a auto-confiança.

A necessidade de Auto-realização ou Auto-actualização está no tope da hierarquia de Maslow, estando satisfeitas todas as necessidades, manifesta-se a necessidade de desenvolver o crescimento pessoal e realizar o potencial máximo de cada um na concretização das capacidades pessoais. Este nível ou estado do Ser, apresenta algumas características comuns de personalidade: a procura individual de significado e desenvolvimento do nosso potencial máximo, na habilidade de tolerar a incerteza ou a dúvida, de ser objectivo e perceber claramente a realidade. Ser espontâneo na expressão, pensamento e acção, assim como ter senso de humor e grande abertura, aceitação, incluindo força e fraqueza, a habilidade de observar para fora do eu os problemas do mundo na sua amplitude, a habilidade de resistir á pressão sem ser deliberadamente inconveniente, de ser mais autónomo e auto confiante do que as outras pessoas se necessário, a habilidade de estabelecer profundas e satisfatórias relações interpessoais. Originalidade e criatividade. A capacidade para elevar ou transcender experiências. Desenvolver a boa vontade, experimentar novas experiências e mudar. Desenvolver a capacidade de ouvir e confiar nos nossos próprios sentimentos. Esforçar-se por ser honesto, evitar fazer jogos e pretensões. Assumir responsabilidade e trabalhar arduamente. Arriscar não ser popular quando o nosso ponto de vista não é igual ao da maioria. Identificar defesas pessoais e ter a coragem de as deitar fora. Experimentar a vida tão intensamente como uma criança, com concentração e interesse. Estes são apenas alguns exemplos.

O desenvolvimento de algumas destas características, é algo que alguns indivíduos inicialmente têm relutância em fazer. Excessiva confiança na opinião dos outros, especialmente em pessoas com autoridade, é algo que é típico nas pessoas com baixa auto estima. O Aconselhamento Psicoterapêutico, pode ser a primeira experiencia em que o cliente observa as coisas de uma nova maneira e saudável ponto de vista. E às vezes, acontece que esta primeira experiência é o catalisador para uma grande mudança. Rogers e Maslow, identificaram um grande défice na sociedade contemporânea e relacionam isto à fundamental e contínua necessidade Humana de crescimento emocional, intelectual e espiritual.



19 – Valores: características e critérios

Os valores remetem para uma autêntica hierarquia á luz da qual, orientámos as nossas escolhas e as nossas acções, dizem respeito às acções, justificam as acções.

A defesa deste ou daquele valor supõe, grupos que o partilham e paralelamente, outros grupos que os rejeitam e defendem outros valores.

Os valores estão ligados à multiplicidade dos grupos e à sua polaridade, são do reino da controvérsia, da adesão e da argumentação.

Valor tem um significado Moral, ao ser atribuído por alguém a uma atitude: é o caso da coragem em frente ao perigo ou da solidariedade para com os famintos.

A existência humana consiste numa experiência de possibilidades e escolhas, de preferência de uns objectos em detrimento de outros, de diferenciação de objectos ou acontecimentos.

A estas experiências de significação e preferências pessoais, mesmo que condicionadas pela socialização, designam-se por experiências axiológicas ou valorativas, porque nelas se escondem ou revelam os nossos valores mais ou menos conscientes, livres ou condicionados.

A experiência axiológica ou valorativa é sempre anterior aos juízos, pois mesmo antes de emitirmos quaisquer juízos apreciativos ou valorativos fomos parte dessas experiências.

Os valores não são coisas ou pessoas, atribuem-se a coisas ou pessoas. São qualidades mas conferidas pelas estruturas cognitivas, estéticas e morais do sujeito. Captam-se não por via intelectual mas sobretudo por via emotiva e determinam as nossas preferências e rejeições.

Os valores são sempre Bipolares, existem sempre como pares de opostos, oscilam entre dois pólos, um positivo e um negativo ou o seu contrário: Bom-mau, necessário-supérfulo, abundante-escasso, leal-desleal, justo-injusto, belo-feio, saudável-doente, pacífico-belicoso, tolerante-intolerante.

São Diferenciáveis e por isso têm estatutos e a par de variadas experiências, podemos relacionar vários tipos de valores:

Tabela axiológica:

Valores Úteis como caro ou barato, necessário ou supérfluo, lucrativo ou dispendioso.

Valores Vitais como forte ou débil, são ou doente, alegre ou triste.

Valores Espirituais que se dividem em 3:

Intelectuais como ciência ou opinião, evidente ou obscuro.

Morais como bondoso ou maldoso, justo ou injusto, paz ou guerra.

Estéticos como belo ou feio, agradável ou desagradável.

Valores Religiosos como sagrado ou profano, divino ou humano, sobrenatural ou natural, puro ou impuro, santo ou perverso.

São também Hierarquizáveis: A hierarquia é a propriedade que possuam os valores de se subordinarem uns aos outros, de serem uns mais valiosos do que outros, em função de critérios:

São os Critérios Subjectivos individuais, enquanto preferências de um sujeito, pois os valores variam em função da pessoa. Aquilo que tem valor para uma pessoa, pode ter outro valor para outra pessoa.

E são Colectivos quando variam em função do grupo social e cultural, tornando-se Objectivos quando válidos para todos, traduzindo um dever ser ideal.

São também transubjectivos, quando transcendem o âmbito nacional e tendem a manifestarem-se à escala planetária, pois o que acontece num determinado ponto do planeta tem uma repercussão imediata em todos os povos do mundo, através dos média. Assim, a globalização da época contemporânea, traduz-se numa conflitualidade axiológica sem precedentes, onde co-existem e se confrontam valores contrários, se não mesmo contraditórios.



Valores na sociedade actual e crise de valores.

A crise e a crítica de valores da época moderna e contemporânea, reflecte os movimentos sócio culturais que perturbaram a ordem e a hierarquia dominante até então: foi a revolução científica, a revolução francesa, o comunismo, o evolucionismo, o nazismo, a bomba atómica, Gandhi, Martin Luther king, o anti-colonialismo, o 25 de Abril, a biotecnologia, etc.

Logo, como consequência, a antiga hierarquia de valores parece estar em crise. Os valores sexuais, religiosos, políticos e estéticos estão em permanente mudança, muito diferentes de há 20 ou 30 anos atrás. Dai que, alguns saudosos da antiga ordem ou da velha guarda, falarem em crise de valores.

A influência da cultura na alteração dos valores.
Sendo o Ser Humano, constituído pela sua Finitude e Situação, o homem é criado pela Cultura que supera os desafios do seu meio, criando diferentes tipos de Valores, Éticos, Estéticos, Religiosos, etc, que dão sentido à sua Existência. E pela Cultura, o homem cria o seu Mundo com toda a sua complexidade Social, Técnica, Científica, Estética, Religiosa, Linguística, etc.

No Relativismo Cultural, os valores morais, são relativos à cultura.

O relativismo cultural é a teoria que defende que os princípios morais são diferentes de cultura para cultura, não existindo princípios morais objectivos, independentes da cultura, é uma forma entre outras de relativismo moral, teoria que defende que os princípios morais são fortemente relativos à cultura, à história, à psicologia, etc, não existindo princípios morais objectivos.

O relativismo cultural distingue-se dos relativismos históricos e psicológicos, mas todas estas teorias são formas de relativismo moral.

A cultura define a normalidade, e esta, num âmbito muito lato, é definida culturalmente. Reconhecemos que a moralidade difere em todas as sociedades, sendo um termo conveniente para hábitos socialmente aprovados.

O conceito de normal é uma variante do conceito do bem. É o que a sociedade aprovou. Uma acção normal é a que se enquadra perfeitamente no que são os limites do comportamento desejável numa dada sociedade.

Se culturas diferentes têm códigos morais diferentes, logo, não há uma verdade objectiva na moralidade. Certo ou errado são apenas questões de opinião e as opiniões variam de cultura para cultura. Porém, o problema é que pode acontecer que uma prática seja objectivamente certa ou errada e que uma ou outra posição esteja simplesmente errada.

Nas suas crenças sobre o mundo, membros de algumas sociedades podem simplesmente estar errados. Como os esquimós que nada vêem de errado no infanticida, ou os islâmicos fundamentalistas que como terroristas suicidas, para eles, a vida não é um valor supremo, mas meramente instrumental.

Teríamos de deixar de condenar outras sociedades simplesmente por serem diferentes. O relativismo cultural, iria impedir-nos de dizer que certas práticas estão erradas.

A escravatura, o anti-semitismo ou a pedofilia, afiguram-se erradas onde quer que ocorram. No entanto, se levasse-mos a sério o relativismo cultural teríamos de encarar estas práticas sociais como algo imune à crítica.

Se tudo é relativo, então a ideia de progresso moral é posta em dúvida, pois se no relativismo cultural as velhas maneiras estavam de acordo com os padrões culturais do seu tempo, seria um erro julgar certas atitudes pelos padrões de uma época diferente, como por exemplo a escravatura ou a submissão das mulheres. E neste caso, não poderíamos afirmar que fizemos progressos.

Os valores estão relacionados com a acção, mas são também traços civilizacionais e elementos caracterizados da cultura.

Para o senso comum, cultura é sinónimo de erudição, pois é reduzida apenas aos seus carácter livresco e intelectuais, o conceito é reduzido, a sua acepção simultaneamente intelectualista e elitista.

Em oposição à noção de senso comum, encontrámos a noção antropológica de cultura, como sendo parte integrante do ser humano. Neste sentido antropológico a cultura é constituída pelo conjunto de hábitos, modos de vida, crença, costumes, conhecimento, técnicas e normas, que caracterizam uma sociedade.

A cultura é pois, a resposta encontrada por cada grupo humano para responder aos desafios do seu mundo. É pois o elemento que especifica e distingue as várias sociedades.

O processo de socialização implica a aquisição de hábitos, a adopção de modos de configurar a experiência e a interiorização de crenças e valores dominantes do modelo social e das características culturais.

Do ponto de vista antropológico, não existem homens incultos. Cada indivíduo é simultaneamente produto da sociedade, acrescentando-lhe paralelamente a dimensão original da sua personalidade. Somos pois o produto e o produtor da cultura.

Na sua conduta pessoal, o indivíduo exprime a cultura do seu grupo, que cristalizada na tradição, renova-se e transforma-se de acordo com a dinâmica da cultura em questão.

Todas as culturas têm determinadas características comuns, mas os meios e os processos que utilizam para a sua realização variam surpreendentemente.

Apesar de as necessidades básicas e primárias serem semelhantes, as diversas culturas desenvolveram-se, historicamente, de forma diversa e por vezes única, constituindo diferenças de identidade no comportamento humano.

Os costumes, os usos e as tradições são transmitidos de geração em geração e garantem a estabilidade cultural, porém, existem processos de modificação, pois a cultura é expressa e vivida por cada indivíduo de modo peculiar.

Cada nova geração apresenta desejos e aspirações diferentes, o que contribui para uma mudança e evolução cultural.

Existem sociedades mais ou menos desenvolvidas cientificamente, tecnicamente, ou em progresso material, mas não podemos afirmar que algumas culturas são superiores a outras.

Do mesmo modo que o mundo nos brinda com uma grande diversidade de culturas, o mesmo acontece com os valores. E é com base nestes diferentes valores e mundividências, que podemos distinguir grandes núcleos culturais e civilizacionais, como a tradicional distinção entre ocidente e oriente.

Hoje em dia nenhuma cultura é autónoma e fechada. Para além de uma contínua mudança cultural, temos de considerar as influências exercidas pelas outras culturas, que se acentuaram extraordinariamente nos nossos dias, através dos movimentos migratórios e da variadíssima comunicação social dos mass média, que produzem modificações nos padrões de vida pessoal, familiar e grupal, transformando-se em causas de processo de aculturação.

Este fenómeno da difusão cultural, sob forma de comunicação intercultural, processa-se num tempo praticamente real, nesta era da globalização.

Como identidade não é inapta mas adquirida, os elementos da nossa identidade que já estão em nós ao nascermos, não são muito numerosos. A identidade constrói-se e transforma-se ao longo da nossa existência.

Se formos menos generalistas e mais personalizados identificamos uma grande variedade axiológica e cultural, muitos orientes e muitos ocidentes entre diferenças abissais. E estas diferenças são tão grandes que assistimos a conflitos seculares no interior dos mesmos grupos culturais, devido a diferenças de critérios religiosos, nacionalistas, éticos, políticos, etc.

As diferentes sub-culturas, não co-existem sempre pacificamente entre si. A harmonização está longe de existir no interior de cada cultura.

-A questão é a seguinte: será possível, numa era que se quer de globalização, preservar a riqueza de uma diversidade cultural?

-E será possível estabelecer plataformas de diálogo entre culturas de valores assumidamente diferentes?

O respeito pelo direito á diferença tem de representar mais do que um acto paternalista e de protectorado. A uniformização cultural tende a instalar-se, impondo sobretudo, os modelos americanos. É o perigo da emergência de um Mcmundo.

Algumas culturas reagem, proclamando um regresso desmesurado à pureza das tradições. E é esta emergência dos fundamentalismos religiosos, éticos, políticos e culturais, que ao procurarem impor de um modo violento e intolerante os seus próprios valores como únicos, absolutos e inquestionáveis, fundamentalistas, afiguram-se hoje como a maior ameaça ao diálogo intercultural. Em nome desses valores e de interpretações literais de textos sagrados, a atitude dogmática cede facilmente à tentação de terrorismo.

O 11 de Setembro de 2001, representa um ponto extremo de fanatismo fundamentalista e marca uma verdadeira viragem histórica pela sua crueldade.

Para os terroristas suicidas, a vida não é um valor supremo, mas meramente instrumental: a grande causa para um muçulmano é o seu sacrifício em nome de alá, com o sacrifício da própria vida. Não só a vida do suicida, mas também a vida de cidadãos inocentes.

O confronto axiológico é evidente. Para um ocidental, a vida é talvez o bem mais precioso. Para um cristão, a vida é uma dádiva divina a que devemos dar graças.

É um choque de civilizações, mas no entanto, não há qualquer choque de civilizações, uma vez que organizações terroristas não podem ser consideradas verdadeiramente islâmicas, pois o islão, condena a violência e a morte de inocentes e defende a paz.

O carácter civilizacional deste conflito, é apenas defendido, pelos dirigentes fundamentalistas.

O reconhecimento do direito à diferença, remete para um conjunto de valores que se pretendem universais e que procuram estabelecer as bases do acordo mínimo, para que o diálogo intercultural seja
possível.

Há direitos inerentes à dignidade do ser humano, que ninguém deveria negar aos seus semelhantes por causa da sua religião, cor, nacionalidade, sexo, ou por qualquer outra razão.

Para este postulado universal, não pode haver por um lado uma carta global dos direitos do homem e por outro, cartas particulares, como uma carta muçulmana, uma índia, uma crista, uma africana, asiática, etc.

No entanto, como princípio, poucos contestam este facto, mas na prática, muitos se comportam como se nele não acreditassem.

Respeitar a diferença significa: ser capaz de dialogar, visando a compreensão e não a conversão dos modos de vida dos outros à nossa visão do mundo, e ser capaz de lidar com os valores que pretendem ser transubjectivos e mesmo transculturais, que são valores que centrando-se na defesa da vida e da pessoa humana, remetem para condições básicas da existência humana. A paz é um desses valores, já que os seus opostos, a violência e a guerra, atentam contra as condições da vida.

Como resultado, estabeleceu-se a 10 de Dezembro de 1948 os direitos humanos, como constituintes da plataforma de diálogo entre os estados membros da organização das nações unidas ONU.



20 – Atitude face à diversidade cultural.

A existência de seres humanos com normas e hábitos culturais diferentes podem assumir atitudes e condutas variadas:


O ETNOCENTRISMO: é uma atitude baseada num sentimento de superioridade que leva um indivíduo a considerar que o grupo ou a cultura a que pertence é superior e os outros são inferiores e inaceitáveis. É uma atitude extremista, que na incapacidade de aceitar e co-existir com outros, rejeita totalmente essas outras culturas.

As consequências de uma incompreensão relativamente aos aspectos das outras culturas, pode contribuir para o aparecimento de fenómenos como:

A Xenofobia ou o Ódio em relação aos Estrangeiros.

O Racismo ou o Repúdio violento de determinados Grupos étnicos.

O Chauvinismo ou Patriotismo Fanático.

RELATIVISMO CULTURAL: é uma atitude de avaliação das outras culturas em função da cultura de quem avalia. Recomenda a tolerância e aparenta respeito face às diferentes expressões culturais das outras comunidades, mas defende que não devem misturar-se e que cada cultura deve promover os seus próprios valores, sendo que assim, não evitam a xenofobia, o chauvinismo e o racismo, pois preservam a sua própria cultura, e por isso, não promovem o diálogo, ficando fechadas em si mesmas, o que acaba por conduzir ao:

Isolamento, pois promove a Separação entre culturas.

E à Estagnação, pois gera Ataraxia ou Apatia no contacto entre culturas.

Na perspectiva relativista, basta uma sociedade instituir como normal um certo conjunto de práticas para que tenhamos que as respeitar porque é intolerante e ilegítimo julgar tradições e normas de comportamento que nos são culturalmente estranhas. Porém, como defender os indivíduos de sociedades diferentes da nossa, da tortura e da prepotência dos seus governos?

A questão é: Se eu condeno algo insustentável, poderei aceitar que me digam que a minha indignação é sinal de intolerância e de incompreensão dos valores de cada cultura?

INTERCULTURALISMO ou MULTICULTURALISMO : é uma atitude que promove o respeito pelas outras culturas, propondo formas de diálogo entre elas, para que todos possam beneficiar. Defende a existência e a salvaguarda de valores e/ou direitos humanos e universais, essenciais na convivência de um mundo pluralista.
Pretende compreender a natureza pluralista da nossa sociedade e do nosso mundo, e a complexidade e a riqueza da relação entre as diversas culturas, colaborando na busca de respostas aos problemas mundiais através do diálogo cultural.

Assenta em valores partilhados: no apreço pela liberdade, igualdade e solidariedade e na implantação do PRINCÍPIO DE uma TOLERANCIA ACTIVA: no reconhecimento não só do direito à diferença mas também da diferença como algo de bom, desejável e enriquecedor, na convicção de que ninguém possui a verdade, mas que ela se encontra disseminada. Porque ninguém tem o monopólio da razão e da verdade, tornou-se necessário, inevitável e desejável, escutar e acolher as diferenças.


Dimensão Ética Política

21 – Ética e Moral: intenção ética/norma moral e norma jurídica

É por a ética ter uma dimensão mais universalista, por se debruçar sobre a humanidade da pessoa enquanto tal e sobre os requisitos que definem e respeito pela dignidade da pessoa humana; e a moral ter uma dimensão mais local, relacionando-se com os modos mais concretos da vida de uma dada sociedade, que é usual ouvirmos falar de Princípios Éticos e Condutas Morais.

Ética, procura reflectir acerca da conduta humana, sobre os valores com os quais a avaliamos e sobre os critérios que presidem a uma tal avaliação. É do domínio do pensado e diz respeito aos princípios que orientam as nossas condutas e servem de base à moral. De dimensão teórica, investiga e cria os princípios éticos e regras gerais que fundamentam e que servem de base à moral, as condições a partir das quais se pode falar ou não em intenção moral e em moralidade, questionando de um ponto de vista ideal, esses mesmos princípios, as regras gerais e a sua legitimidade. O que podemos entender como sendo o bem? Deve a ciência proceder à clonagem de seres humanos? A ética debruça-se sobre os princípios e os fundamentos da moral. Preocupa-se com a fundamentação racional das normas morais e de uma forma mais vasta, com o agir livre. A ética de um homem livre, nada tem a ver com os costumes ou os prémios distribuídos por qualquer autoridade, seja humana ou divina. Ética é a reflexão sobre o porquê de consideramos as normas válidas, bem como a sua comparação com as outras morais, assumidas por pessoas diferentes. No entanto, ambas convergem sempre como arte de viver.

Moral, é um conjunto de regras ou normas que regulam a conduta ou acção humana na dimensão mais prática da vida quotidiana. É do domínio do vivido e diz respeito aos factos concretos e aos juízos de valor existentes de uma sociedade na sua dimensão prática de comportamentos particulares, antes de qualquer reflexão sobre o seu significado, importância ou necessidade. A moral está ligada à dimensão convivencial e comunitária da vida dos homens, existindo em qualquer sociedade, interdições, regras, ordens e normas morais diversas, situações do dia-a-dia e obrigações ligadas ao dever que socialmente devemos cumprir: não devo roubar, devo sempre ajudar os mais necessitados, devo sempre agir de acordo com o que considero ser o bem, etc. Moral é o que se impõe como obrigatório ou deontológico. Não deves fazer isto ou não te lembres sequer de fazer aquilo. Moral é o conjunto de condutas e normas que tu, eu e alguns dos que nos rodeiam, continuamos a aceitar como válidas. Porém, há costumes e ordens que podem ser maus, imorais.

As Normas são Jurídicas ou Morais.

As Normas Jurídicas são escritas e dizem respeito à Legalidade, são leis, códigos, regulamentos. Determinam uma conduta obrigatória e universalmente seguida, imposta por uma autoridade exterior ao indivíduo, o estado, a polícia, o juiz ou o legislador. Exigem o seu cumprimento e penalizam quem o não faça, com multas, sanções e penas. Proíbe falsos testemunhos, pune o roubo, pune o assassínio, protege a liberdade dos indivíduos.

As Normas Morais, não são escritas mas dizem respeito à Moralidade. Promovem uma conduta que deve ser seguida por todos, mas dependente da aceitação ou não pessoal de cada um, pois são impostas pelo próprio individuo a si mesmo, pela sua consciência moral. De convicção íntima, implicam uma adesão voluntária. O seu não cumprimento é sancionado externamente por censura e condenação social e internamente por sentimentos de culpa, remorso e arrependimento. Não mentirás, não roubarás, não matarás, não oprimirás os outros.

 
Os Valores associados às normas jurídicas e morais são a Verdade, a protecção pela Propriedade Privada, a Vida e a Liberdade.

Cada homem tem de Aplicar a Norma Moral, que são gerais e abstractas, mas que no entanto, pouco dizem respeito acerca das condutas que cada indivíduo tem de assumir nas diversas circunstâncias específicas, que exigem a urgência de uma interpretação pessoal da norma e uma escolha de uma atitude ou comportamento específicos, que traduzam a interpretação daqueles sentimentos.

Logo, cada homem deve Inventar como Agir, pois na vida contemporânea, há situações em que quando não existem normas, temos que ser criativos e imaginar o procedimento mais adequado, e quando existem normas, estas são por vezes muito diferentes e até antagónicas, logo, temos que seleccionar a norma a aplicar à situação que se está a viver.

Egoísmo/altruísmo na ética: Por que razão havemos de ser morais? A natureza da Ética e o significado dos termos são objectivos e universais? Baseados no egoísmo ou no altruísmo?

Geralmente quando agimos, temos em conta unicamente os nossos próprios interesses. Mas agir eticamente parece exigir que tenhamos em conta os interesses alheios. Porém, há quem defenda que na realidade toda a acção é egoísta e que o altruísmo é apenas uma ilusão.

Os que defendem o egoísmo psicológico, argumentam que todos os comportamentos que parecem altruístas são de facto egoístas se os analisarmos cuidadosamente.

Os que defendem o egoísmo ético, defendem que as pessoas têm o dever de serem egoístas.

Os que defendem o altruísmo ético, defendem uma benevolência genuína e geral na natureza humana, em que nenhum interesse real, egoísmo, hipocrisia ou disfarce, nos liga ao objecto desse altruísmo.



Dimensão ética do agir

As problemáticas éticas dizem respeito ao agir e ao viver humanos, em que o que está em causa é optar e decidir, o que implica sempre uma escolha, uma organização das nossas preferências, numa hierarquização de valores, estabelecendo prioridades em função do valor ou da importância que lhe atribuímos. A distinção entre níveis valorativos nas problemáticas éticas, são: o campo ético ou moral, o campo deontológico, o campo político.

O Campo Ético, caracteriza-se pela relação de compromisso e responsabilidade que, de uma forma autónoma e livre, pessoal, deliberada e conscientemente, cada um estabelece perante si próprio e perante os outros.

Trata-se de uma acção em que a acção é marcada pela unicidade do nosso ser, em que ninguém pode optar ou responder por nós, ou pela consciência de cada um. É a esfera da autodeterminação, da demanda por si próprio e da vida feliz, no sentido de cada um se sentir bem na sua própria pele.

A ética representa pois, aquilo que está sempre nas nossas mãos, aquilo em cuja escolha, nenhuma autoridade pode substituir-nos sem indignidade. A ética ocupa-se do ideal humano que está sempre na nossa mão procurar, com os outros se possível e a sós se não houver outro remédio.

O campo ético, ocupa-se da administração que cada qual faz da sua vida, para o seu próprio bem. É um cenário íntimo: a consciência de cada um, na pretensão de conservar, potenciar ou recuperar a alegria que nos é própria. Diz assim respeito, no trato devido para com os nossos semelhantes e para com as nossas próprias capacidades.

Esta opção moral, não depende senão da intenção de cada um, não precisa de consentimento ou acordo dos demais e não requer circunstâncias especialmente favoráveis. No entanto continua marcada pela responsabilidade de não ser indiferente perante os valores postos em jogo aqui e agora, assim como também a responsabilidade de tomar inteligíveis aos outros, os motivos que consideramos determinantes da conduta assumida como própria.

O Campo Deontológico refere-se aos códigos de conduta estabelecidos, com aquilo que é aceite ou reprovável numa determinada sociedade.

O que diferencia o campo ético do deontológico, é que este privilegia a dimensão funcionalista e social do agir humano, as condutas são estabelecidas e impostas exteriormente tendo em vista o desejável desempenho dos indivíduos na realização de certas tarefas, enquanto o campo ético refere-se ao espaço reservado da autonomia individual.

Na perspectiva deontológica, não se trata de se sentir bem com a própria pele, mas de assumir eficazmente determinado estatuto e desempenhar convenientemente, segundo o manual de procedimentos, o papel que lhe está inerente.

Os códigos deontológicos tradicionalmente aceites assinalam o decente no exercício dos ofícios, profissões e cargos públicos. E neste âmbito jurídico e de categoria social, delineiam-se normas ou leis, criam-se obrigações e impõem-se se necessário, determinadas sanções.

A este nível valorativo, não se projecta um juízo sobre a conduta dos seres humanos, nem se ocupa primordialmente do ideal de vida boa, mas aqui, a sua jurisdição só abarca os membros de determinados grupos ou os sujeitos de certas actividades, e só enquanto estão comprometidos em realizá-las. Estão aqui em jogo fundamentalmente, questões de procedimento e até poderíamos dizer de disciplina.


22 – Consciência e Responsabilidade Moral

O Código Moral, é uma ideia colectiva que se refere ao conjunto de crenças e normas de uma comunidade, sobre o modo como se deve viver a vida, o que se deve fazer e evitar, o que é correcto e o que é incorrecto, servindo de orientação para a forma como devemos agir com os outros, ou não. É um acordo sobre o que é o bem e aquilo que é o mal. Serve de referência para que alguém seja considerado moral ou imoral. Logo, implica a existência de valores compartilhados por todos os elementos de uma sociedade.

Moral, é quando as regras exprimem os modos de ver, pensar e sentir de uma colectividade, e que orienta os indivíduos na prática do que é bom e desejável, fazer o bem e evitar o mal.

Moralidade, é o modo como os indivíduos interpretam e põe em prática as Normas Morais.

A Consciência Moral tem o seu Carácter Pessoal: diz-nos que cada homem é uma liberdade na escolha das suas acções o que implica não apenas distinguir o bem e o mal, o justo do injusto, mas sobretudo o agir moralmente e com consciência moral, em função dos valores que nós próprios escolhemos como seres racionais e livres.

A Consciência Moral é apelativa, chama-nos interiormente, como um chamamento que nos apela a seguirmos o caminho do bem e que nos indica, um conjunto de ideais éticos, valores, normas e deveres, legítimos e bons.

É imperativa, pois ordena e obriga-nos a ser congruentes e agir de acordo com os valores morais interiorizados.

É judicativa, pois julga a nossa conduta, formulando juízos de valor acerca da nossa autenticidade, submetendo as nossas acções a uma espécie de julgamento em tribunal, comparando e verificando a incongruência ou não, daquilo que fazemos com as normas que interiorizamos.

Daí que nos censura ou sanciona por uma conduta reprovável, dando-nos como castigo, a vivência e a sensação de uma consciência pesada, cheia de sentimentos de culpa, arrependimento, vergonha e remorsos; ou premeia-nos por uma conduta exemplar, com uma consciência tranquila, com sentimentos de alegria, bem-estar e satisfação.

Do meu ponto de vista pessoal, julgo ser extremamente importante, desenvolver uma atitude assertiva, de coragem e de ausência de medo, para saber dizer não e seguir o bem razoável.

Cumprir ou não cumprir os códigos morais é sempre uma escolha pessoal.

Responsabilidade moral: é a capacidade de responder pelos nossos actos, em que numa posição de posse das nossas capacidades racionais, agimos livremente, consciente e de forma voluntária, sem constrangimentos, sem ter sido forçado ou coagido a fazer algo. É reconhecer as acções como nossas e responder por elas, assumindo as consequências. Por isso, não se compreende a responsabilidade sem liberdade, não há liberdade humana sem responsabilidade.
Liberdade e Responsabilidade: A primeira coisa a observar a propósito da concepção da Liberdade Humana, é que ela está essencialmente ligada à Consciência, ao processo da Decisão Racional e acima de tudo à experiência de nos empenharmos em acções Humanas voluntárias e intencionais, que é a pedra basilar da nossa crença na liberdade da vontade.

E apesar de não podermos sempre realizar de modo integral ou absoluto os nossos desejos e vontades, somos sempre os responsáveis pelas nossas decisões. O Homem não pode não escolher, pois mesmo quando decide abster-se, esta não decisão é ainda uma decisão, uma escolha.

Se por um lado existem factores que condicionam o agir, existe por outro, uma margem que nos obriga a confrontar com a necessidade de decidir e que nos coloca na posição de responsável último dessas decisões.

Descobrimos o mundo quando desejamos concretizar os nossos projectos e realizar empreendimentos. O nosso projecto de fundo, pelo qual somos responsáveis, é a construção de nós mesmos. Cada um de nós tem de encontrar o seu sentido no mundo e realizá-lo. Esta é a nossa tarefa vital pela qual temos de responder, que é sinónimo de Ser Responsável.
Responsabilidade significa responder, ser digno de, igual a, estar à altura de…
Das mais atrozes situações existentes, não há situação inumana, mas antes irresponsabilidade.

Ser Responsável é ser Censurável ou Punível, Louvável ou Recompensado. Dai que atribuição de Responsabilidade significa atribuir um Juízo último.

Ser acusado é ter o direito de ser desculpado/ilibado/inocente ou declarado culpado/responsável. A Responsabilidade está ligada às consequências do acto.

A ausência de intenção constitui agravamento ou atenuante Moral ou Jurídica.

Mas a ausência de intenção, não significa ausência de responsabilidade ou impossibilidade de se atribuir responsabilidade, pois não impede que tenhamos que responder por aquilo que ainda que involuntariamente nos acontece ou nos vemos envolvidos.


23 – Conceito de Pessoa no sentido Ético Moral de Mounier.

Conceito de pessoa como sujeito moral

Uma Pessoa no sentido biológico, é um membro da espécie Homo sapiens. Mas no sentido da qualidade verdadeiramente humana, uma pessoa é um ser racional e auto-consciente.

O homem, como pessoa, como sujeito moral não é só um indivíduo, um ser humano, mas é um ser com um valor, que procura agir correctamente e que conduz a sua acção para o bem. É individual, autónomo e criador, não um indivíduo em sentido biológico mas um ser com moral, consciente dos seus direitos e deveres em sociedade, capaz de em liberdade implementar projectos e de realizações.

Manifesto Personalista:

Uma pessoa é um ser espiritual constituído por uma forma de substância e de independência; mantém esta subsistência mediante a sua adesão a uma hierarquia de valores livremente adoptados, assimilados e vividos num compromisso responsável e numa constante mudança; unifica assim toda a sua actividade numa liberdade e, para além disso, desenvolve a sua vocação pessoal por impulsos de actos criadores.

Os principais traços caracterizadores da pessoa são:

A Singularidade de uma realidade interior própria, um núcleo ou substância irredutível que se mantém permanente e que as faz ser aquilo que são.

A Dignidade de um valor incomensurável, absoluto, sendo a mais elevada forma de existência.

A Liberdade como elemento autónomo. Os condicionalismos são tidos não como limites, mas como o terreno em que o homem se situa, para exercer a sua liberdade.

A Abertura de um ser em constante diálogo com os outros e com o mundo, que sai de si em direcção ao outro sem esperar algo em troca, pois os outros não são um limite para o eu, mas uma possibilidade de crescimento. A primeira experiência que o homem tem é a da segunda pessoa, ou seja, a do tu e não a do eu.

A Proximidade de viver com os outros em sociedade e estabelecer um vínculo, manifestando solidariedade e amizade.

O Compromisso que assume e partilha, através das convicções que tem, que são o reflexo da sua identidade. Agindo assim, a pessoa recusa a abstenção, a neutralidade e a diferença.

A dimensão Crítica com que avalia os mais diversos aspectos da vida, procurando transforma-la de acordo com aquilo em que acredita, negando o que lhe parece negativo, empenhando-se na construção de um mundo diferente.


24 – A dimensão Pessoal e Social da Ética.

O si mesmo, o outro e as instituições.
O vínculo com os outros é, com efeito, fundamental.
A convivência é o terreno de onde brota a consciência axiológica e a dignidade de cada um como pessoa. A ética é acima de tudo uma questão privada, mas que se refere contudo a um âmbito interpessoal em que cada um não pode ser dissociado dos outros. Não que cada um tenha que ser em função dos outros, mas porque aquilo cada um é, é-o na sua coexistência com os outros.

A dimensão ética do agir relaciona-se coma questões que se colocam quando se torna imprescindível harmonizar a liberdade do nosso querer, quando se torna necessário encontrar, uma solução de compromisso racional para o conflito, que opõe aquilo que quero e que me é conveniente e aquilo que outros querem e acham conveniente.

Esta regulação tem uma dupla dimensão. Por um lado, algo que cada indivíduo impõe a si mesmo e que deliberadamente aceita, mas remete, por outro lado, para algo mais que mera atitude individual.

O acolhimento de tal regulação e a aceitação de restrições morais ao agir, faz-se em nome de um ideal de co-existência, em que se pretende ver assegurada a preservação da vida, da salvaguarda da dignidade da pessoa humana. Acto individual e pessoal, mas também, acto supra individual e interpessoal.

A ética pressupõe que viver humanamente é viver entre homens, é como viver bem a vida humana, mas que decorre entre ser humanos.

Na relação ética, o que está em causa é o relacionamento entre seres que, sendo diferentes, se vêem contudo, como semelhantes. A exigência de respeito por si próprio e a exigência de respeito pelos outros enquanto nossos semelhantes e não como coisas. Tratar as pessoas humana ou eticamente, consiste em tentarmo-nos por no lugar do outro, assumir que existe uma semelhança essencial entre mim e os outros, assumir que essa semelhança é algo que importa preservar, sob o risco de poder-mos vir a ficar desprovidos da nossa dignidade. É uma exigência de justiça que estabelece a ligação entre ética e racionalidade.

A defesa de princípios éticos não pode ser apenas abstracta, os problemas da filosofia moral surgem, quando se trata de aplicar os princípios morais ou valores abstractos a situações concretas, o que implica conflitos de interesse, fazendo surgir uma pluralidade de interpretações e de perspectivas, aplicação que se faz sempre no interior de uma sociedade politicamente organizada.

É por isso que questões de ordem moral, ainda que não se confundindo com problemas de legalidade são muitas vezes transferidas para o terreno da ordem legal. E nessa medida quem assume uma postura ética não pode alhear-se das questões de ordem política.

O significado de se por no lugar de outros (empatia).

Pores-te no lugar do outro é torná-lo a sério, considerá-lo tão plenamente real como tu próprio. Não significa que deves dar-lhe sempre razão naquilo que ele reclama ou naquilo que faz. Sem dúvida que somos todos semelhantes, mas não somos nem temos que nos esforçar por ser idênticos. Pores-te no lugar do outro é fazeres um esforço de objectividade e tentar ver as coisas como ele as vê, não é deixares o outro ocupar o teu lugar. Ele deve continuar a ser ele e tu a seres tu.

Com Empatia, eu tenho que ter a habilidade de a compreender e ao seu mundo, como se estivesse dentro dela. Tenho que ter a habilidade de observar como se fosse com os olhos da própria pessoa, ou seja, como o mundo dela é para ela e como ela se vê a si mesma. E em vez de apenas olhar para ela de uma forma objectiva ou imparcial, para o seu exterior (como se ela fosse um espécime) eu devo ter a sensibilidade de estar com ela no seu mundo, entrar no seu mundo para que sinta dentro dela como é a vida para ela, pelo que ela se esforça por ser e o que precisa para crescer.

O primeiro dos direitos humanos é o direito a não sermos fotocópias de nossos vizinhos e sermos mais ou menos esquisitos. Não temos o direito de obrigar o outro a deixar de ser esquisito para seu bem, excepto se a sua esquisitice consistir em prejudicar directa e claramente o próximo. Direito, porque grande parte da difícil arte de nos pormos no lugar do outro tem que ver com justiça, não apenas leis estabelecidas, juízes, advogados, etc, mas também virtude da justiça.

As leis e os juízes tentam determinar o mínimo a que as pessoas têm direito e nada mais. Muitas vezes, por muito legal que seja um comportamento, este pode ser fundamentalmente injusto. As situações são excessivamente variadas, por vezes demasiado íntimas, para que tudo possa ter lugar nos tratados de jurisprudência.

Do mesmo modo que ninguém pode ser livre em teu lugar, ninguém pode ser justo por ti, se não te deres conta que deves sê-lo para viver bem.

Para entenderes completamente o outro e saber o que ele espera de ti, não tens outro remédio senão amá-lo um pouco, ainda que amá-lo somente por ele ser também humano. E este pequeno mas importantíssimo amor, é algo que não pode ser imposto por nenhuma lei instituída. Quem vive bem deve ser capaz de uma justiça simpática, ou de uma justa compaixão.


25 – Fundamentação da Moral

Análise comparativa de perspectivas filosóficas.

As filosofias morais, como qualquer construção filosófica, não são dissociáveis de contextos histórico políticos e culturais em que se inserem, bem como das conjecturas da época. Todas elas propõem ideias de como viver bem, como orientar a nossa conduta, como nos posicionarmos perante o mundo, nós mesmos e os outros. Daí a necessidade de fundamentação da moral.

Mas o que é realmente o bem? Uma acção é moralmente boa quando é realizada de acordo com o que se considera ser bem feito ou quando os seus efeitos ou consequências são bons?

E como devemos agir? Que princípio ou princípios fundamentais devem orientar a nossa acção? E que critério nos permite dizer que uma acção é correcta e outra não?

- Perguntar pelo fundamento da moral é procurar saber duas coisas:

Qual é o bem ultimo? O que faz uma acção ser correcta?

3 tipos de teorias morais.

As baseadas no Dever (deontológicas): Ética Cristã e Kant com as Motivações, Imperativo Categórico, Máximas, Universalidade, Meios e Fins.

As Consequencialistas: Utilitarismo + Utilitarismo Negativo.

As baseadas na Virtude: Aristóteles

As Éticas do Dever, sublinham que cada um de nós tem certos deveres, acções que devemos executar ou não, e que agir moralmente é equivalente a cumprir o nosso dever, sejam quais forem as consequências que se sigam.

A ideia de que algumas acções são absolutamente boas ou más independentemente dos resultados, é o que distingue as teorias éticas do dever, deontológicas, das teorias éticas consequencialistas. Duas perspectivas:

- Na Éticas Teleológicas o valor moral de uma acção é determinado pelas suas consequências, pelo fim ou resultado que com ela se alcança. O bem último é a felicidade. Produzir a maior felicidade para o maior número de pessoas é o que faz uma acção ser correcta. É consequencialista porque a única coisa que conta para uma acção ser correcta são as suas consequências. Ética Utilitarista, Stuart Mill 1806/1873

- Na Ética Deontológica ou Formal de Kant o valor moral de uma acção é dado pela intenção ou motivo do agente e não pelo resultado que com ela se alcança. O bem último é a boa vontade. Cumprir o imperativo categórico é o que faz uma acção ser correcta. É uma ética não consequencialista porque nega que a última coisa que conta para uma acção ser correcta são as suas consequências. É uma Ética racional. Kant 1724/1804


26 – Ética Moral Formal ou Deontológica de Kant

A teoria ética baseada no Dever Deontológica de Kant contém o princípio das Motivações, o Imperativo Categórico, as Máximas, a Universalidade, os Meios e Fins.

As Éticas do Dever, sublinham que cada um de nós tem certos deveres, acções que devemos executar ou não, e que agir moralmente é equivalente a cumprir o nosso dever, sejam quais forem as consequências que se sigam.

A ideia de que algumas acções são absolutamente boas ou más independentemente dos resultados, é o que distingue as teorias éticas do dever, deontológicas, das teorias éticas consequencialistas.

Na filosofia moral de Kant o seu pensamento foi influenciado pelo iluminismo, pelo século das luzes, caracterizado pela crença no valor ou poder absoluto da razão, como capacidade do o homem assegurar a sua autonomia.

O ponto de partida da ética Kantiana é a crítica às éticas materiais e dos fins, ou seja, as que prescrevem normas em função de interesses materiais ou de finalidades a atingir. As que são empíricas à posterior, que usam imperativos hipotéticos, que são heterónimas, condicionadas por inclinações exteriores à razão e que carecem de universalidade.

Para Kant a ética deve ser: Formal (vazia de conteúdo) à priori (independente da experiência) Autónoma (cujos princípios não dependem da finalidade a atingir) Universal (princípios igualmente válidos para todos) Racional (cujos princípios espelham a própria natureza da autonomia da razão)

Para Kant, o fundamento da ética é o Dever, a obrigação de agir não em conformidade com o Dever Legal mas por Dever Moral.

Um indivíduo actua moralmente quando o faz por dever, de acordo com a lei moral. O dever não diz respeito a fins mas à obediência à lei moral. A ideia do dever pelo dever.

E a lei moral, é a que o homem enquanto ser racional e livre descobre em si mesmo, como correspondendo à sua natureza racional. É a lei que determina e regula á priori a vontade, sem a interferência de qualquer inclinação empírica.

Na moral, como ponto de partida, Kant defende que o bem último é a boa vontade, pois até mesmo a felicidade pode corromper.

O que constitui o bem de uma vontade boa não é os seus efeitos ou o que consegue alcançar, mas é boa unicamente através da sua boa vontade, isto é, a vontade boa é um bem em si e por si.

Quando é considerada em si, é muito mais estimada do que seja o que for que alguma vez ela pudesse produzir meramente para favorecer qualquer inclinação. Se uma vontade, é desprovida de poder pelo desfavor do destino ou outro motivo para cumprir o seu propósito, e mesmo que com todo o esforço nada conseguisse alcançar e apenas restasse a vontade boa, esta permaneceria por si, e como uma jóia brilharia com a sua própria luz como algo que tem todo o pleno valor em si. A sua utilidade nunca pode aumentar ou diminuir o seu valor.

A moralidade remete assim, para a ideia de boa vontade, para a ideia de que devemos seguir aquilo que nos surge racionalmente como incondicionalmente bom. A marca do agir moral é pois: a vontade racional de cumprir o seu dever.

Para saber o que faz uma vontade ser boa em si, temos de saber o conceito de dever, ou seja, exibir uma vontade boa face à adversidade, não por inclinação mas por dever.

Mas neste contexto, há que distinguir entre agir com o dever legal ou por dever moral.

Na legalidade, uma acção é conforme a lei civil. Uma atitude poderá até ser legal, mas não ter preocupações de ordem moral.

A verdadeira moralidade remete para o acordo com a lei porque é o seu dever, pelo interesse de a respeitar e não pelo partido ou consequências que disso podemos tirar.

Para Kant uma acção Moral teria de ser executada por sentido do dever e não apenas como resultado de uma inclinação de benefício em termos de estatuto social ou popularidade, ou de um sentimento de compaixão, ou da possibilidade de qualquer tipo de benefício ou recompensa monetária ou material para o seu autor.

A motivação de uma acção é muito mais importante do que a própria acção e as suas consequências. Para saber se alguém está a agir moralmente ou não, temos que saber a intenção dessa pessoa.

Uma acção por compaixão, seria uma motivação emocional e não uma motivação baseada no sentido do Dever, que para Kant é a única motivação aceitável. E como não temos um controlo completo sobre as nossas reacções emocionais, estas não podem ser essenciais para a moral.
Se ao agir em função do meu sentido do Dever, eu tentar salvar uma criança que está a afogar-se, mas acabar por acidentalmente afogar a criança, pode ainda considerar-se que agi moralmente, uma vez que os meus motivos eram apropriados. As consequências teriam sido trágicas, mas irrelevantes no que respeita ao valor moral do que fiz.

Se queremos uma moral acessível a todos os seres humanos conscientes, então, a moral terá de apoiar-se na vontade e sobretudo no nosso sentido do Dever.

Se agir por de ver é agir em reverência pela lei moral, a maneira de testar se estamos a agir assim é procurar a máxima, ou princípio com base na qual agimos, isto é, o imperativo ao qual as nossas acções se conformam.

Kant defende que agir por dever é cumprir o imperativo categórico em todas as circunstâncias.

O imperativo categórico permite determinar se uma determinada acção é ou não correcta.

Um imperativo distingue-se de uma máxima e um imperativo categórico de um hipotético. Um imperativo é uma ordem de acção. Um imperativo hipotético é o que tem de ser feito como meio para se atingir um dado fim. O imperativo categórico é o que tem de ser feito incondicionalmente. E uma máxima de acção é uma regra geral à qual uma dada acção obedece.

A Máxima, são as intenções ou motivações que subjazem a qualquer acto humano, ou seja, é o princípio geral subjacente à acção.

Para o samaritano agir moralmente deve agir segundo a máxima: ajuda sempre os que precisam porque é o teu dever. E não agir utilizando a máxima: ajuda sempre os que precisam e poderás ser recompensado, ou, quando tens um sentimento de compaixão.

Como seres humanos racionais temos certos deveres. Estes deveres são categóricos, isto é, são absolutos e incondicionais: deves sempre dizer a verdade, nunca deves matar ninguém. Estes deveres são válidos independentemente das consequências que possam advir da sua obediência.

Kant diz que o dever, exprime-se como imposição, como mandamento, como imperativo, mas não como imperativo hipotético, que representa uma acção para alcançar determinados fins e que nos dizem o que devemos fazer se quisermos alcançar ou evitar um dado objectivo. Mas antes como imperativos categóricos.

O imperativo hipotético afirma que se quisermos atingir determinado fim, age desta ou daquela maneira.

O imperativo categórico diz que independentemente do fim que desejamos atingir, age desta ou daquela maneira.

Há muitos imperativos hipotéticos porque há muitos fins diferentes que os seres humanos podem propor-se alcançar.

Um imperativo categórico é um mandamento obrigatório, representa uma acção necessária em si mesmo, incondicionalmente, não se refere à matéria do acto mas à forma, ao princípio. E o que há nesse acto de essencialmente bom está na intenção, qualquer que possa ser o resultado. É também o imperativo da moralidade.

São os imperativos categóricos que exprimem o essencial do pensamento ético.

Para Kant o princípio fundamental da moral a partir do qual derivam todos os nossos deveres e obrigações é o imperativo categórico.

1 Para Kant há apenas um imperativo categórico: “Age sempre segundo uma máxima tal que possas querer ao mesmo tempo que ela se torne uma lei universal.”

Querer significa aqui, desejar racionalmente. E este princípio é o conceito de dever, a universalidade da lei, que ao materializar-se, cria uma natureza ou uma forma.

Mas se sendo cada um o seu próprio legislador racional, não poderão surgir conflitos diferentes e rivalidades uns com os outros?

Kant responde que não e afirma a universalidade da boa vontade pois esta é guiada pela razão. A moralidade é possível porque cada vontade determinada pela razão aspira a um ideal que visa a humanização de todas as vontades, porque aquele que age conforme a vontade enquanto legisladora universal, confina-se necessariamente ao mesmo tempo com regras que seriam legisladas por toda a vontade racional.

Segundo Kant, é a ideia de liberdade, aquela que assegura a autonomia da razão e que a lei moral só existe para um ser livre.

A mensagem do imperativo categórico como princípio de universalidade é: age apenas segundo a máxima que quererias aplicar a toda a gente, pois para uma acção ser moral, a máxima subjacente tem de ser universalizável, que seja aplicável a toda a gente em circunstâncias análogas.

A questão é a seguinte: que aconteceria se a minha máxima numa acção se torna-se numa lei universal?

Esta noção de universalizabilidade, é uma versão da chamada regra de ouro do cristianismo: faz aos outros o que gostarias que te fizessem a ti.

Uma pessoa que esteja bem na vida e perante a dificuldade de outra pessoa aja com indiferença e diga: não o prejudicarei, mas também não o ajudo. Não pode querer que esta máxima se torne uma lei universal porque pode surgir uma situação na qual ela própria precise do amor e da simpatia dos outros.

Aquele que pensa fazer aos outros uma promessa enganadora, logo se apercebe de que deseja servir-se de um outro homem como de um simples meio, como se esse homem não encerrasse em si próprio um fim em si.

Quando vejo que estou a precisar de dinheiro, irei pedi-lo emprestado e prometer pagar a dívida, apesar de saber que nunca irei poder pagar a promessa?

Este princípio egoísta e de vantagem pessoal pode ser compatível com o nosso bem-estar futuro, mas não é correcto. Tal máxima nunca poderia ser uma lei universal e ser consistente consigo mesma, pois pelo contrário ela é necessariamente contraditória, pois promete não cumprir o que promete, logo, ninguém acreditaria nas promessas, antes riam-se delas.

Se há um imperativo que é categórico, incondicional, então este deve assentar na representação do que é fim em si, de modo a ser o objectivo da vontade.

Logo, o imperativo moral exprime-se com um complemento ao imperativo categórico.

2 “Age sempre de maneira a tratar a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio.” Pois não devemos usar as pessoas, mas devemos reconhecer a sua humanidade e autonomia.

Aquele que viola assim os direitos dos homens, tem a intenção de se servir da pessoa dos outros como um simples meio.

Como ser humano, afirma Kant, não sou apenas um fim em mim mesmo, sou um membro do reino dos fins, uma associação de seres racionais sob leis comuns a todos. A minha vontade é racional, na medida em que as suas máximas puderem transformar-se em leis universais. A lei universal é a lei feita por vontades racionais como a minha. Um ser racional, só está sujeito a leis feitas por si mesmo e que, no entanto sejam universais. No reino dos fins, todos somos igualmente legisladores e súbditos.
Kant elogia e exalta a dignidade da virtude. Diz que no reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Se algo tem um preço, pode ser trocado por qualquer outra coisa. Mas o que tem dignidade é único e não pode ser trocado, pois está além do preço.

O preço venal, está relacionado com a satisfação da necessidade.

O preço de sentimento está relacionado com a satisfação do gosto.
A moralidade, está para lá e acima de ambos os tipos de preço.

A moralidade e a humanidade, enquanto capaz de moralidade, são as únicas coisas que têm dignidade.

Já a lealdade nas promessas, o bem-querer fundado em princípios, têm um bem intrínseco.

Na crença de Kant a moralidade exige que tratemos as pessoas sempre como um fim e nunca apenas como um meio.

Quando Kant afirma que o valor dos seres humanos está acima de qualquer preço, tinha em mente um juízo objectivo sobre o lugar dos seres humanos na ordem das coisas.

Uma vez que as pessoas têm desejos e objectivos, as outras coisas têm valor para elas em relação aos seus projectos. Essas meras coisas têm valor para nós apenas como meios para fins, sendo assim, os fins humanos que lhes dão valor. Se um objectivo meu for tornar-me um melhor pintor, um manual de pintura terá valor para mim, mas para lá de tal objectivo o livro não tem valor. O meu carro tem valor para mim porque tenho o desejo de chegar ao meu destino, mas para lá disso não tem valor.

E porque são seres racionais, os seres humanos têm um valor intrínseco, isto é, dignidade, pois são agentes livres com capacidade para tomar as suas próprias decisões, estabelecer os seus próprios objectivos e guiar a sua conduta pela razão.

Uma vez que a lei moral é a lei da razão, os seres racionais são a encarnação da lei moral em si. E a única forma da bondade moral poder existir é as criaturas racionais aprenderem o que devem fazer e agindo a partir de um sentido de dever, fazê-lo. E isto é a única coisa com valor moral. Logo, se não existissem seres racionais a dimensão moral do mundo simplesmente desaparecia.

E por tudo isto, nós, seres racionais, não somos um mero tipo de coisa valiosa entre outras, mas antes, somos os seres para quem as meras coisas têm valor, e para quem as acções conscientes têm valor moral. Logo, o nosso valor é absoluto e não comparável com o valor de qualquer outra coisa.

E isto significa que temos o dever da solidariedade para com os outros, de lutar para promover o seu bem-estar, respeitar os seus direitos, evitar fazer-lhes mal e empenhar-nos tanto quanto possível, em promover a realização dos seus fins, e sobretudo, respeitar a sua racionalidade, pois assim, não iremos
manipular as pessoas ou usá-las para alcançar os nossos objectivos.

Suponha que trata a pessoa como um fim e diz a verdade? Que precisava do dinheiro para um certo objectivo mas não seria capaz de devolve-lo? A pessoa poderia então exercer os seus próprios poderes racionais, consultar os seus próprios valores e desejos e tomar uma decisão livre e autónoma. Se decidisse emprestar o dinheiro para o objectivo, estaria a fazer seu esse objectivo. Desta forma, a pessoa não estaria a ser usada como um meio para alcançar o seu objectivo, pois seria agora igualmente o objectivo dela.

Na perspectiva kantiana da ética, o ponto crucial não é a obtenção da felicidade, até porque nem sempre se age moralmente, mas sim, a intenção de agir de acordo com o dever, o ponto em que se revela o mais importante, a dignidade da pessoa humana, o Dever Ser.

Não foi para procurar a felicidade que os seres humanos foram dotados de vontade, pois para isso, o instinto teria sido muito mais eficiente. A razão foi-nos dada para originar uma vontade boa não enquanto meio para outro fim qualquer, mas boa em si. A vontade boa é o mais elevado bem e a condição de possibilidade de todos os outros bens, incluindo a felicidade.

Esta concepção ética, condena a escravatura, a discriminação segundo o sexo, a cor ou a raça, e realça a dignidade humana. No entanto, resta saber se ela não será um tanto ao quanto utópica, no que diz respeito à crença de que o conflito de deveres e de interesses, para ser ultrapassado pacificamente por uma hierarquização que faria prevalecer consensualmente a universalidade da razão.

No entanto nem todas as máximas universalizáveis são consideradas morais.

Agir segundo a máxima: sê um parasita e vive sempre às custas de outra pessoa, não seria uma acção
moral pois se universalizada, não restaria ninguém para ser parasitado.

A máxima: nunca tortures bebes, é universalizável e é desejável obedecer a esta ordem, tornando-a um dever, apesar da possibilidade de quem quiser não o fazer. Aqueles que não lhe obedecerem e torturarem bebes estarão a agir moralmente.

Criticas

A teoria pode ser vazia, pois a estrutura ou forma dos juízos morais que revela, pode por vezes ser insuficiente, perante algumas tomadas de decisão morais efectivas, mesmo combinando a tese da universalizabilidade com a formulação dos meios e fins, por exemplo no que respeita a conflitos entre deveres, como por exemplo: eu ter o dever de dizer sempre a verdade e também o dever de proteger os meus amigos. Se um louco de navalha em punho me perguntasse onde está o meu amigo, dizer a verdade seria fugir ao meu dever de proteger o meu amigo. Seria um DILEMA.

- Importante também é o papel inadequado e irrelevante que a teoria dá às emoções, tais como a compaixão, a simpatia ou a piedade, que em certos aspectos podem ser dignas de louvor, porém Kant não lhes confere moralidade. Pelo contrário, para algumas pessoas, algumas emoções são inseparáveis da moral.

- Como a teoria não dá atenção às consequências da acção, então, idiotas bem-intencionados que causem destruição em consequência da sua incompetência, seriam moralmente inocentes nesta teoria. Logo, em alguns casos, as consequências parecem relevantes para uma apreciação do valor moral.


27 – Ética Consequencialista ou Utilitarismo de Stuart Mill

Éticas materiais:

Características das éticas materiais: empíricas, imperativos hipotéticos, heteronomas.

As éticas materiais e dos fins, ou seja, as que prescrevem normas em função de interesses materiais ou de finalidades a atingir.

São aquelas segundo as quais a bondade ou a maldade da conduta humana depende de algo que se considera bem supremo para o homem: os actos serão bons quando nos aproximam de tal bem supremo e serão maus ou reprováveis quando nos afastam dele. Determina o prazer ou a felicidade o bem supremo do homem. A ética estabelece então, as normas, os preceitos para o alcançar.

São empíricas à posterior, usam imperativos hipotéticos e são heterónimas, condicionadas por inclinações sensíveis exteriores à razão e que por isso carecem de universalidade.
São empíricas à posteriori, porque o conteúdo é extraído da experiência em que se busca o prazer fugindo á dor.

Formulam imperativos hipotéticos que não valem de modo absoluto, mas só de modo condicional, como meios para conseguir um fim.

São heterónomas, porque se a autonomia consiste em que o sujeito se dê a si mesmo a lei, a heteronomia consiste em receber a lei de fora da própria razão.

UTILITARISMO

O utilitarismo é a teoria consequencialista mais conhecida.

Consequencialismo é o termo usado para descrever teorias éticas que ajuízam a rectidão ou não de uma acção não através das intenções ou motivos da acção, mas antes através das consequências da acção. Enquanto Kant afirmaria que dizer uma mentira será sempre errado, sejam quais forem os benefícios, um consequencialista julgaria o acto de mentir através dos seus resultados.

O utilitarismo tem como base uma perspectiva hedonista, que remonta à filosofia antiga grega, segundo a qual, a finalidade última de todas as nossas acções, o supremo bem é a felicidade, e atingi-la, consiste em viver segundo o princípio do prazer, evitando o mal, a dor ou o sofrimento.

O utilitarista define o bem como seja o que for que trouxer a maior felicidade global.

Logo, o princípio da moral utilitarista é que a acção correcta é a que tem como consequência o maior bem ou a maior felicidade para o maior número.

A acção é Moral se o fim for bom.

Esta teoria, acentua as consequências à posteriori das acções como critério de avaliação, desvalorizando as intenções e os princípios da acção.

No utilitarismo as consequências são apenas prováveis, porque é difícil se não impossível, prever os resultados possíveis de uma acção específica. A moralidade da acção depende exclusivamente das consequências e não das intenções.

O fundamento da moral é a utilidade ou o princípio da maior felicidade, defende que as acções são correctas na medida em que tendem a promover a felicidade através do prazer ou ausência de dor, e incorrectas na medida em que tendem a gerar o contrário, ou seja, a infelicidade, a privação de prazer, a dor.

A felicidade, o prazer e a ausência de dor, são as únicas coisas desejáveis como fins. E todas as coisas desejáveis, são desejáveis ou pelo prazer inerentes a si mesmas, ou como meios para a promoção do prazer e a prevenção da dor.

O princípio geral, conhecido por princípio de utilidade ou de maior felicidade, define como bem, aquilo que trouxer a maior felicidade global, tornando-se numa acção útil, ao trazer a maior felicidade ao maior número de pessoas. Ou seja, é uma boa acção, aquela que em determinadas circunstâncias, calcula as melhores consequências dos vários cursos possíveis da acção. E daí, a boa acção ou a acção correcta, é a que tiver mais probabilidades de trazer a maior felicidade seja ela qual for, para o maior número de pessoas. A acção é moral se o fim for bom.

O ponto de partida desta moral hedonista, que define a felicidade como fim último da vida, tem o prazer como critério. Daí que no utilitarismo, uma acção que se pretenda, deve ser avaliada de modo a indicar qual o grau de felicidade que ela é capaz de proporcionar, devendo-se escolher a que produz o resultado mais útil.

Há uma diferença qualitativa e não apenas quantitativa entre os prazeres.

Pode-se aliás, calcular a felicidade tendo em conta a intensidade e duração dos prazeres associados, para aferir o grau de utilidade.

Os prazeres podem ser corporais ou intelectuais:

Os prazeres ligados ao corpo são os inferiores, que provêm das sensações, são efémeros e instáveis, é a procura de satisfação que resulta de um desequilíbrio orgânico.

Os prazeres ligados ao espírito são os superiores, que provêm da inteligência, da imaginação, dos sentimentos morais, como o bom carácter, a generosidade ou a nobreza de espírito. São prazeres menos intensos e menos duradouros mas mais estáveis. Representam o organismo em equilíbrio e proporcionam a verdadeira realização do ser humano.

Então, quando nos referimos ao prazer como fim, não nos queremos referir aos prazeres sensuais, mas ao prazer de nos acharmos livres de sofrimentos do corpo e de perturbações da alma. É a felicidade do prazer espiritual, que consiste nas acções moderadas e nas virtudes como a prudência, a justiça, a temperança, a amizade, etc. e assim, atinge-se a Ataraxia ou um estado de purificação, de harmonia e equilíbrio perfeitos.

1 O imperativo primeiro do utilitarista é: “uma acção será legítima do ponto de vista moral se das suas consequências resultar o maior grau de felicidade e bem-estar para o maior número de pessoas possíveis.”

A acção correcta é imparcial e é moral se o fim for bom. A acção é moralmente certa ou errada, apenas em virtude das consequências que dela derivam, visando o bem-estar de todos aqueles que são afectados pelas nossas acções e não unicamente o próprio bem-estar. O maior bem para o maior número é o aspecto crucial.

Stuart Miil parte do princípio que nenhum ser humano inteligente consentiria em ser um ignorante, nenhuma pessoa de sentimento e consciência seria egoísta e primária, ainda que estivesse convencida de que o idiota ou ignorante se sentiria mais satisfeito com o que lhe foi atribuído a ele, do que ele com o que a ele lhe foi atribuído. E não abdicaria das coisas que possui a mais em relação ao outro, em troca da mais completa satisfação de todos os desejos que tem em comum com o outro. Apenas o fariam em caso de infelicidade extrema.

Um ser com faculdades superiores precisa de muito para ser feliz, e por isso, provavelmente é capaz de um sofrimento mais acentuado e certamente exposto a ele com mais frequência, mas apesar de todas estas desvantagens, nunca desejará afundar-se no que sente ser um nível inferior de existência, pois é melhor ser um humano insatisfeito, do que um porco satisfeito, um Sócrates insatisfeito do que um idiota satisfeito. E se o idiota e o porco têm opinião diferente, é porque apenas conhecem o seu lado d questão, quando a outra parte da comparação conhece ambos os lados.

A felicidade que constitui o padrão utilitarista do que está correcto na conduta não é a própria felicidade doa gente, mas a de todos os envolvidos. O utilitarismo exige que o agente seja tão imparcial entre a sua própria felicidade e a dos outros como um espectador desinteressado e benevolente.

Fazer aos outros o que queremos que nos façam a nós, amar o próximo como a si mesmo, constituem a perfeição ideal da moralidade utilitarista.

No Utilitarismo, A Moralidade da acção depende exclusivamente das consequências e não das intenções.

O motivo nada tem a ver com a moralidade da acção. Quem salva um semelhante de se afogar, faz o que está moralmente correcto, quer o seu motivo seja o dever ou a esperança de ser pago pelo seu incómodo. Mesmo que com o objectivo de servir um amigo maior, trair a confiança de um outro amigo menor, é culpado de um crime.

Dizem que o utilitarismo torna os homens frios e insensíveis, arrefece os seus sentimentos morais para com os indivíduos e faz olhar apenas para as considerações secas e duras das consequências das acções, não incluindo nas suas estimativas morais as qualidades das quais emanam essas acções. Se essa afirmação significa que não permitem que o juízo sobre a correcção ou incorrecção de uma acção seja influenciado pela sua opinião das qualidades da pessoa que a pratica, isto não é uma crítica contra o utilitarismo, mas antes, contra a posse de qualquer padrão de moralidade, pois seguramente nenhum padrão ético conhecido decide se uma acção é boa ou má por ser praticada por um homem bom ou mau, e menos ainda por ser por ser praticada por um homem amável, corajoso ou benevolente, ou o contrário disto. Estas considerações podem ser relevantes não para a avaliação de acções, mas sim de pessoas.

E se dizem que não há tempo antes da acção para calcular e avaliar os efeitos de uma linha de conduta para a felicidade geral, isto é exactamente como o mesmo que dizer que é impossível guiar a nossa conduta pelo cristianismo porque não há tempo.

O cálculo da felicidade não se faz necessariamente caso a caso.

Ao aceitar que os juízos éticos têm de ser feitos de um ponto de vista universal, estou a aceitar que os meus interesses não podem contar mais do que os interesses de qualquer outro indivíduo. Assim, eticamente, a minha preocupação em defender os meus interesses tem de ser estendida aos interesses dos outros.

No utilitarismo, ter em conta os interesses ou ideais de todos os que serão afectados pela minha decisão, exige que pondere todos os interesses e adopte o curso de uma acção que tenha maior probabilidade de maximizar a satisfação dos interesses ou ideais de todos os afectados.

Porém, existem outros ideais éticos, como os direitos individuais, a santidade da vida, a justiça e a pureza por exemplo, que sendo universais, em algumas versões, são incompatíveis com o utilitarismo.

E assim sendo, a posição utilitarista é minimalista, pouco universal, pois é apenas uma primeira base que atingimos, ao universalizar uma tomada de decisão baseada no interesse pessoal. E se quisermos ir além do utilitarismo e aceitar regras morais ou ideais não utilitaristas, temos que apresentar razões para dar mais esse passo. Kant?

 
CRITICAS

É extremamente difícil medir e comparar a felicidade de pessoas diferentes. Como decidir se o enorme
prazer do sádico ultrapassa ou não o enorme sofrimento da sua vítima? E não existem masoquistas que têm imenso prazer?

Benthan, estabeleceu o cálculo da felicidade, para fazer comparações entre prazeres, tendo em conta a sua intensidade, a duração e tendência para dar origem a novos prazeres e assim por diante.

Stuart Mill, fez uma distinção entre os prazeres elevados ou intelectuais e os prazeres baixos ou físicos.

No calculo da felicidade de Stuart Mill, os prazeres elevados contavam mais do que os baixos. Ele avaliava os prazeres de acordo com a sua qualidade, assim como de acordo com a sua quantidade.

Para Mill, seria preferível ser um Socrates triste mas sábio do que um ignorante feliz mas tolo, uma vez que os prazeres de Sócrates seriam de um género mais elevado.

No entanto esta é uma justificação intelectual elitista, baseada nos seus valores e nas suas preferências particulares. Continua a ser difícil calcular quantidades relativas de felicidade.

Se alguém bate numa criança porque ela se portou mal, a questão é saber se esta foi uma acção moral ou se esta acção dependeria das consequências. Devemos nós contar unicamente os efeitos imediatos de bater na criança, ou devemos ter em conta os efeitos a longo prazo? Os efeitos de qualquer acção podem prolongar-se extraordinariamente no futuro e só raramente encontramos uma fronteira óbvia.

Outra objecção é que o utilitarismo pode justificar muitas acções que são consideradas imorais. Se pudesse mostrar-se que enforcar publicamente um inocente teria o efeito benéfico directo de reduzir os crimes violentos, por actuar como um factor de dissuasão, causando no geral mais prazer do que dor, então um utilitarista seria obrigado a dizer que enforcar o inocente era a coisa moralmente correcta a fazer. Mas tal conclusão repugna o nosso sentido de justiça.

Ao passo que Kant afirma que devemos manter as nossas promessas sejam quais forem as consequências, os utilitaristas calculariam primeiro a felicidade provável das consequências de manter ou não as promessas, agindo depois em conformidade com o resultado do cálculo.

Os utilitaristas podem concluir que nos casos em que soubessem que os seus credores se haviam esquecido de uma dívida e que não seria provável que alguma vez se lembrassem dela, seria moralmente correcto não pagar a dívida.

Mas em tais casos, a integridade pessoal constitui um aspecto importante da interacção humana. Muitas pessoas acham que dizer a verdade, pagar dívidas, ser honesto nas nossas relações, etc, constituem exemplos centrais de comportamento moral. Para essas pessoas, o utilitarismo, com a sua rejeição do conceito de deveres absolutos, é uma teoria moral inadequada.

Utilitarismo negativo

Ou seja, evitar a dor e o sofrimento é um objectivo muito mais importante do que alcançar mais felicidade do que infelicidade. Pois num mundo em que ninguém fosse particularmente feliz, mas no qual ninguém sofresse dor extrema, seria muito mais apelativo do que num mundo em que algumas pessoas sofressem uma infelicidade extrema, compensada pelo facto de muitas outras pessoas beneficiarem de grande contentamento e felicidade.

O princípio básico do utilitarismo negativo é a ideia de que a melhor acção, não é a que produz mais felicidade do que infelicidade para o maior número de pessoas possível, mas antes a que produz a menor quantidade geral de infelicidade.

Para o utilitarista negativo, seria melhor deixar todo o seu dinheiro a um pobre gravemente doente, vítima de um extremo sofrimento que seria consideravelmente aliviado por esta oferta, do que dividir o dinheiro por mil pessoas moderadamente felizes e aumentar ligeiramente a sua felicidade com esta oferta. Um utilitarista normal, iria calcular qual das acções iria produzir mais felicidade do que infelicidade para o maior número de pessoas. O utilitarista negativo procuraria antes, minimizar o sofrimento.


28 – Conceito de Justiça e de Igualdade de Aristóteles

Para Aristóteles, o estado é a finalidade natural do homem. O homem é um animal político. A inclinação natural para a sociabilidade e para a vida política deve-se ao facto de o homem ter desejos e necessidades inatas que só se satisfazem socialmente: a necessidade de auto-preservação e a necessidade de reprodução. O estado é um organismo natural. O homem sem estado é como uma mão separada do corpo.

A virtude da igualdade Aristotélica, reguladora da convivência humana, manifesta-se em 3 conceitos da justiça:

 
Justiça Distributiva – regula as actuações da sociedade ou da autoridade que a representa em relação aos indivíduos. A distribuição equitativa é feita com base numa igualdade proporcional, em que benefícios e riquezas são repartidos em função dos méritos e dignidades. Esta ideia de igualdade proporcional acaba por contribuir para o agravamento das desigualdades sociais.

Justiça Comutativa – estabelece-se nas relações pessoais entre indivíduos. Nos actos de compra e venda, não se dá mais nem menos mas o que é justo, o que é equivalente. Sendo a base dos contratos, já não tem carácter proporcional por ignorar o mérito, tratando todos como iguais.

Justiça Legal – regula as actividades dos indivíduos em relação à comunidade ou à autoridade que a representa. É o cumprimento das leis emanadas da autoridade com vista à promoção do bem comum. É a legalidade. Porém, aqui as normas jurídicas são gerais e abstractas e por vezes injustas quando aplicadas a casos concretos.


29 – Política

A filosofia politica estuda a maneira como devemos viver em sociedade, quais as formas correctas de organização social em geral.

O que legitima a autoridade do estado? Para Aristóteles, mais importante que justificar o estado, é saber que tipo de estado ou governo é melhor para garantir uma vida boa.

É a necessidade de protecção que leva cada pessoa a consentir a autoridade do estado, estabelecendo como que um contrato social com os outros, em que todos aceitam limitar a sua liberdade em troca da sua segurança e da segurança dos seus bens. Chama-se contratualista a esta teoria.

Há contudo, quem não concorde com a ideia de que o estado é legítimo. Estes filósofos pensam que viver num estado não é melhor do que a vida no estado de natureza, pelo que não há justificações para o uso do poder político e portanto nada justifica a autoridade do estado. Esta é a posição do anarquismo, que em vez de perguntar o que legitima a autoridade do estado, ao invés pergunta: se a autoridade do estado é legitima.

 
Estado da Natureza – Hobbes (1588-1679) Impera a lei natural do mais forte. Ninguém reconhece ou respeita direito algum. Constante ameaça pela guerra de todos contra todos.

Estado da Natureza – Locke (1632-1704) Os indivíduos já gozam de direitos básicos, como a liberdade, propriedade e direito à vida. Contudo, não existem mecanismos que obrigam ao respeito destes direitos naturais (castigos).

Nem sempre é fácil, ou possível, determinar se uma actuação política é movida pelo apego ao poder ou se o é pela vontade de edificar uma sociedade a pensar na melhoria da qualidade de vida da cidadania. Assim, de uma forma sintética: a organização política preferível será a que: Possibilitar a liberdade, Promover a justiça e a dignidade, desenvolver a assistência e Fomentar a solidariedade e a defesa dos direitos humanos.


30 – 3 gerações dos Direitos Humanos: Liberdade e Justiça Social

A conquista dos direitos humanos evidencia-se como um processo lento e progressivo de reconhecimento e de formação jurídica dos direitos fundamentais do homem, que se conquistam a partir de 3 diferentes momentos ou gerações.

A 1ª geração reconhece as liberdades individuais: a liberdade de consciência, a económica, a religiosa e a de igualdade perante a lei. Derivam dos ideais liberais e individualistas da burguesia dos finais do século XVII e XVIII que se insurgem contra o poder da nobreza e o absolutismo do Estado, que passa a ter o papel fundamental de assegurar estas liberdades básicas.

A 2ª geração reconhece e acrescenta os direitos económicos, sociais e culturais: esta segunda declaração do século XIX e princípios do século XX, decorrem das reivindicações do proletariado em face das injustiças sentidas no interior das classes operárias. Exigem o direito à saúde, á educação, á segurança social, a um salário justo e a uma vida decente. Junta-se à liberdade individual a igualdade e a solidariedade. O estado passa a assumir uma aposição de defesa e protecção dos indivíduos. É o estado providência ou estado de direito social.

A 3ª geração reconhece e acrescenta novos direitos sociais e culturais assim como também a internalização dos direitos fundamentais e da solidariedade entre os povos. Após a 2ª guerra mundial, devido aos excessos dos regimes autoritários, nasce a preocupação de assegurar a paz para todos os povos. Em 1948 a ONU, apresenta a declaração universal dos direitos do homem proclamada nas duas gerações anteriores, procurando tornar efectiva a sua internacionalização.

Porém, a pouco e pouco surgem novas reivindicações, tais como o direito à autodeterminação dos povos em função da sua identidade, direito à protecção das minorias étnicas, culturais, etc.

E nos últimos tempos, os pacifistas e os ecologistas, reclamam as condições mínimas propícias a uma vida humana digna. O subdesenvolvimento económico e social de muitos países, os conflitos internos e externos e a poluição global, fazem com que a solidariedade, a paz e o equilíbrio ambiental se tornem os objectivos principais.

Com efeito, esta geração de direitos, que hoje tentamos implementar, implica o reconhecimento por parte de cada indivíduo e de cada grupo, de uma responsabilidade alargada com todos os outros, incluindo-se aqui as gerações futuras.


31 – Rawls e os princípios da Justiça como Equidade

Para Rawls, a justiça é a principal virtude das instituições sociais.

A concepção de justiça como equidade foi apresentada em 1971 por Rawls na sua teoria da justiça.

Rawls, tenta conciliar dois conceitos: a liberdade individual e a igualdade como justiça social.

Como deve organizar-se uma sociedade para que o seu funcionamento seja justo e para que os mais desfavorecidos não sejam sacrificados em nome da eficácia económica e os mais favorecidos não sejam sacrificados em nome do igualitarismo?

Para Rawls, trata-se de encontrar um meio-termo entre liberalismo selvagem e socialismo autoritário.
Rawls revela uma influência das teorias contratualistas. E Para Rawls, na elaboração de um contrato ou pacto o objectivo é estabelecer uma sociedade essencialmente justa e livre.

O contrato social hipotético de Rawls é um pacto originário entre indivíduos iguais e livres que escolhem instituições e normas que promovam a igualdade entre todos.

E para que os princípios não sejam escolhidos em função da situação pessoal ou dos próprios interesses, Rawls afirma que tal pacto se deve fazer com base na total imparcialidade, por indivíduos não movidos por qualquer interesse egoísta.

Para descrever o contrato social originário Rawls fala da Posição Original uma situação imaginária de total imparcialidade, em que pessoas racionais, livres e iguais, criam uma sociedade regida por princípios de justiça. E para que tal imparcialidade se verifique, essas pessoas devem estar cobertas por um véu de ignorância, o que significa que na referida posição original os indivíduos que desenharem os contornos da futura sociedade, procederão, nesta situação hipotética, à escolha do seu modelo de sociedade, sem conhecerem quais serão as suas condições de vida, estatuto social ou económico. Supõe-se que os indivíduos não conhecem o seu lugar na sociedade, não sabem os talentos que poderão vir a ter ou a suas capacidades naturais ou intelectuais. Daí que ninguém conhece a sua própria concepção pessoal de bem, nem os pormenores do seu plano racional de vida, nem mesmo os traços particulares da sua constituição psicológica. E supondo que não conhecem as circunstâncias da sua sociedade, situação política ou económica, nem o nível de cultura, as pessoas na posição original não possuem qualquer informação a respeito da geração a que pertencem. A vantagem desta situação hipotética, é que ignorando tudo acerca da sua futura condição social, cada indivíduo considerará como possível, que no futuro lhe corresponda a posição social menos favorável. Logo, cada um desejará organizar uma sociedade que se caracterize pela equidade e imparcialidade na distribuição de deveres e direitos, pela liberdade, igualdade real de oportunidades e por bens materiais e culturais indispensáveis para manter a auto estima.

A teoria de equidade de Rawls, é uma defesa da justiça como igualdade quanto às liberdades e direitos fundamentais. Porém, assume diferenças na repartição dos benefícios desde que se favoreçam os mais carenciados.

A concepção geral da equidade apresenta-se do seguinte modo: todos os bens sociais primários têm que ser distribuídos de um modo igual, a menos que uma distribuição desigual de um ou de todos estes bens resulte em benefício dos mais desfavorecidos.

Num contrato originário elaborado numa posição original hipotética Rawls escolhia dois princípios fundamentais de justiça: o 1º da igual liberdade e o 2º da diferença e igual oportunidade.

1º O Princípio da igual liberdade: (que tem prioridade sobre os outros) visa garantir que cada pessoa tem igual direito a um conjunto de liberdades básicas e fundamentais para todos: a liberdade política, de expressão e de consciência, de voto e de reunião, a de integridade pessoal, a do direito de propriedade, a de ocupar um posto público e outras.

2º O princípio da Diferença e Igualdade de Oportunidades (um duplo princípio) visa estabelecer a justiça social devido às desigualdades sociais e económicas: os benefícios devem ser distribuídos aos mais desfavorecidos e o exercício de cargos e funções para todos, em condições de uma igualdade ou equidade de oportunidades.

O princípio da diferença, significa que a repartição de bens, riquezas e benefícios devem ser distribuídos aos mais favorecidos

O princípio da igualdade de oportunidades, significa que na distribuição de benefícios, cargos, funções, posições sociais, empregos e responsabilidades, todos devem ter as mesmas oportunidades em condições de igualdade. Este tem prioridade em relação ao princípio da diferença, porque não se deve limitar a igualdade de oportunidades em proveito da melhoria das condições de vida de cada um.
Em suma, na sociedade justa de Rawls, o único tipo de desigualdade que pode e deve ser tolerado, é o que reverte em favor dos menos favorecidos. A desigualdade só é admissível se fomentar a igualdade.


32 – Dimensão Estética: é tudo que nos apraz (dá prazer) universalmente e sem conceito.


A estética estuda a beleza e o sublime, tanto na natureza como nos objectos criados pelos seres humanos.

A estética trata de um certo tipo de valores que os objectos têm, das propriedades que lhes conferem esse valor, do tipo de experiência que esses objectos proporcionam e dos juízos através dos quais essa experiência se exprime.

O desenvolvimento das artes levantou um conjunto de problemas que não eram tratados pela estética: O valor artístico de uma obra de arte já não pode ser identificado com o seu valor estético, pois uma coisa pode ser arte e não ser bela.

Os principais problemas da estética são: o que é a beleza? Que propriedades estéticas há? O que é uma experiência estética? Como justificámos os nossos juízos estéticos?

A natureza da experiência estética: o que é a experiência estética?

Experiência refere-se à prova mediante a qual se adquire ou se aprende alguma coisa, seja do mundo externo, seja da esfera interna da consciência. Tudo o que o sujeito pensa, sente, percepciona, na sua relação concreta com o mundo e consigo próprio, constitui a experiência.

A experiência estética é a vivência do ser humano caracterizada por uma predisposição para se emocionar e experimentar um estado afectivo de agrado e de prazer, face a seres, situações materiais e obras produzidas pelo homem, valorizadas em termos de beleza.

Na experiencia estética podemos vivenciar 3 dimensões: contemplação da natureza, contemplação da obra de arte e da criação da obra de arte.

A sensibilidade estética no agente depende da sua cultura, aprendizagens, interesses, grau de abertura à experiência do belo. A sensibilidade artística vai amadurecendo e vai-se tornando mais rica através das experiências, da educação e da cultura.

Alguns filósofos pensam que aquilo que faz algo ser estético depende da atitude que assumimos, a atitude estética. Para outros, a experiência estética é compreender o tipo de juízos através dos quais essa experiência se pode identificar, o juízo estético. Assim, falar de experiência estética, atitude estética ou juízo estético, é referir formas diferentes de resolver o mesmo problema.

O carácter heterocósmico da experiência estética: A arte transporta-nos do mundo da actividade humana para o mundo da exaltação estética. Por um momento somos afastados do mundano e somos elevados acima do fluxo da vida. Quando experimenta prazer estético, o homem sente-se reconfortado, reconciliado consigo mesmo e com o mundo. Em tais momentos, vê-se invadido por uma onda afectiva intensa e arrebatadora que o arranca às condições espaço temporais da existência e o transporta para um mundo diferente. Pelas asas da arte o homem penetra no seio de uma realidade heterocósmica. Porém, isso só será conseguido se aquilo que contempla encontrar ressonância num espectador sensível, dotado de riqueza interior, e que à partida, possua condições que o predisponham a viajar pelo fascinante mundo do belo e do sonho.


33 –A justificação do juízo estético: objectivismo/subjectivismo

Porque que razão digo Goeth é um belíssimo escritor?

No Objectivismo estético é a ideia de que se uma coisa é bela, é bela por si, ainda que muitas pessoas não consigam ver alguma beleza nela. Podemos justificar um juízo estético e dizer que algo é excelente apresentando objectivamente várias características da obra, de onde resulta a excelência. Alguns filósofos defendem que não há experiência estética do agente, porque a arte ou a beleza provém dos próprios objectos e não da experiência. Uns objectos são obras de arte, outros não, uns são belos outros não.

No Subjectivismo estético é a ideia de que aquilo que é belo para uma pessoa pode não ser para outra, sem que qualquer delas esteja errada, pois ambas podem sentir coisas diferentes e o que conta é o que cada uma sente. Gostos não se discutem. É tudo uma questão de gostos pessoais. A beleza está nos olhos de quem a vê. Podemos justificar um juízo estético e dizer que algo é excelente porque nos cativou.



34 – O Juízo Estético de Kant

O que distingue a experiência estética é o desinteresse.

Dos 3 modos diferentes de prazer: o agradável, o belo, o bom, só o prazer acerca do belo é desinteressado. O prazer que determina o juízo de gosto é independente de um interesse, pois o interesse envolve sempre referência à faculdade de desejar. Gosto é a faculdade de juízo de algo mediante um prazer ou desprazer independentes de todo o interesse e do objecto, que de tal prazer se chama belo.

A experiência estética é desinteressada se for acompanhada por um prazer meramente contemplativo (é um juízo de gosto e não de conhecimento, não é lógico mas estético) é um juízo que indiferente relativamente à existência do objecto, só considera a sua natureza em função do sentimento de prazer e desprazer. Esta contemplação não é dirigida a conceitos, pois o juízo de gosto não é um juízo de conhecimento, nem teórico nem prático, não sendo fundado em conceitos.

A experiência desinteressada é independente da existência real do objecto. Para saber se algo é belo, não interessa a existência de essa coisa, mas antes como a ajuizamos na mera contemplação (intuição ou reflexão) e se a mera contemplação do objecto em mim é acompanhada de prazer, indiferentemente da relação à existência desse objecto. Trata-se do que faço dessa representação em mim mesmo. Para um juízo de gosto puro sobre a beleza, tem de se ser completamente indiferente, não se tem de simpatizar minimamente com a existência da coisa.

O juízo de gosto é estético e subjectivo, pois usámos a imaginação e não a cognição para referir a representação referente ao sentimento de prazer e desprazer que o sujeito tem de si próprio e da maneira como é afectado pela sensação.



35 – O Subjectivismo moderado de Hume

Considera que os juízos estéticos são uma questão de gosto formado por aquilo que, ao longo dos tempos e em diferentes lugares, as pessoas sensíveis, atentas e informadas aprovam ou censuram. E assim, é possível encontrar certos princípios gerais de aprovação ou censura, pelo que os gostos também se discutem, ao contrário do que o subjectivismo radical defende.

Hume defende um padrão de gosto, capaz de conciliar diversas opiniões. Afirma existir uma diferença entre o juízo e o sentimento. O sentimento está sempre certo, porque se refere a ele mesmo e é sempre real quando alguém tem consciência dele. Já entre mil e uma opiniões sobre o mesmo assunto, há uma e apenas uma que é justa e verdadeira e a única dificuldade é encontrá-la e confirmá-la. No meio de toda a variedade e capricho de gosto há certos princípios gerais de aprovação ou de censura, que um olhar cuidadoso pode verificar em todas as operações do espírito.

A beleza não é uma qualidade das próprias coisas, existe apenas no espírito que as contempla e cada espírito percebe uma beleza diferente. Onde uma pessoa encontra deformidade, outra pode encontrar beleza.

Procurar estabelecer uma beleza real, é uma investigação tão infrutífera como procurar determinar uma doçura real ou um amargo real, pois depende da disposição dos órgãos do corpo. Embora todas as regras gerais da arte assentem unicamente na experiência e na observação dos sentimentos comuns da natureza humana, não devemos supor que em todos os casos, os homens sintam de maneira conforme a essas regras, pois estas emoções mais subtis do espírito são de natureza extremamente delicada e frágil, precisam de grande número de circunstâncias favoráveis para as fazer funcionar de maneira fácil e exacta, segundo os seus princípios gerais e estabelecidos.


36 – Teorias da Criação Artística e Obra de Arte

O valor artístico de uma obra de arte já não pode ser identificado com o seu valor estético, pois uma coisa pode ser arte e não ser bela.

Os principais problemas da filosofia da arte são: o que é a arte? Que tipo de objecto é uma obra de arte? O que justifica o valor da arte? Como se avalia uma obra de arte?

O filósofo da arte discute se há ou não princípios gerais de interpretação e avaliação.

O que é a arte? Esta é a questão básica que subjaz a toda a filosofia da arte. O facto de terem emergido novas formas de arte, forçou-nos a reflectir acerca dos limites do nosso conceito de arte. Definir é dizer quais são as características que todas as obras de arte têm em comum, as condições necessárias e as condições suficientes que só elas possuem. A definição de obra de arte tornou-se um problema central da filosofia da arte a partir do momento em que praticamente qualquer objecto passou a poder ser classificado como arte.

Pode ser a arte definida?

A Teoria da Parecença familiar noção usada por Ludwing wittgenstein, defende que a arte não pode de maneira nenhuma ser definida com um denominador comum, pois iremos encontrar apenas cadeias de similaridades, apenas parecenças ou semelhanças sobrepostas sem que exista uma característica única observável partilhada por todos. O que podemos ter é apenas uma definição de uma certa forma de arte, como o romance, o hip-hop, o surrealismo, etc.

Morris inspirado por wittgenstein defende que a arte é indefinível, pois todas as tentativas para a definir, estão condenas, ao fracasso, pois não há condições necessárias e suficientes para classificar um objecto como arte. Logo, a arte é um conceito aberto.

Morris crê que o problema não é saber o que é a arte, mas que tipo de conceito é arte, qual a função que desempenha na linguagem e neste caso, o conceito é aberto, pois as condições da sua aplicação são reajustáveis e corrigíveis, sempre sujeitas a revisão, pois novos casos surgiram e continuarão a surgir novas formas de arte, novos movimentos, para que o conceito seja ou não alargado.

Se estabelecermos condições necessárias e suficientes, o conceito é fechado. Porém, isto é algo que só pode acontecer na lógica e na matemática, onde os conceitos são construídos e completamente definidos. Fechar o conceito é ridículo, pois era destruir e excluir as próprias condições de criatividade na arte.

A teoria da imitação de Platão e Aristóteles, diz que um objecto é arte só se imitar algo.

Devem as imitações ser tratadas como obras de arte?

Claro que não, as pessoas dão mais valor aos originais em detrimento das boas imitações porque o grande valor está na originalidade e na criatividade do artista que não se compara à destreza ou à habilidade de um imitador.

As pessoas dão mais valor aos originais também pela obsessão com o preço que está relacionado com a raridade, com as flutuações dos gostos dos coleccionadores e com as manipulações dos negociantes de arte.

Também pelo valor do snobismo dos coleccionadores de arte, como uma questão de rivalidade social, pois gostam de possuir um objecto único por uma questão de valor snobe e não de valor artístico.

E também pela motivação de possuir originais, por uma questão psicológica que tem a ver com a maneira como tratamos os objectos, ao seu apelo enquanto relíquias e à sua história.

A teoria idealista (conceptual) de Collingwood sustenta que a verdadeira obra de arte não é física: é uma ideia ou emoção na mente do artista. Esta teoria distingue a arte do artefacto, pois as obras de arte não têm qualquer propósito específico. São criadas em resultado do envolvimento do artista com um meio específico, como as tintas ou as palavras. Nenhuma obra de arte é unicamente um meio para um fim. A arte genuína não tem nenhum propósito, é um fim em si.

Algumas teorias idealistas dão muita importância à sinceridade da emoção expressa.


A teoria da expressão diz que um objecto é arte se e só se, provocar naqueles que o apreciam as mesmas emoções que o artista sentiu ao produzi-lo. Tolstoi defende que a arte é expressão de sentimentos ou emoções, sendo o receptor contagiado pelos sentimentos que o artista expressa. O contágio exige:

A Unidade de sentimento em que o artista e o público sentem o mesmo tipo de emoção, ao estarem ambos unidos pelo mesmo sentimento.

A Singularidade ou unicidade dos sentimentos individuais expressos pelo artista.

A Clarificação dos sentimentos que pelo artista são expressos com clareza e não de qualquer forma.

A Autenticidade ou sinceridade dos sentimentos expressos pelo artista, os sentimentos que realmente sentiu.

O grau ou a força do contágio distingue a verdadeira da falsa obra de arte.

O contágio depende da maior ou menor: Originalidade ou individualidade do sentimento transmitido.

Quanto mais individualizado mais fortemente actua sobre o receptor, mais prazer lhe dá e consequentemente, com mais prontidão e força adere a ele.

O contágio depende da maior ou menor: capacidade na clareza com que o sentimento é transmitido. O receptor ficará tanto mais satisfeito com a clareza pois é um sentimento o qual ele julga há muito conhecer e sentir, mas para o qual só agora encontra expressão.

O contágio depende principalmente da maior ou menor: sinceridade do sentimento do artista, da maior ou menor força com que sente o que transmite. Quando o receptor sente que o artista está contagiado pela sua própria produção e que o faz para ele próprio e não apenas para impressionar os outros, o receptor é também contagiado por esse estado mental.

Se o artista for sincero, ele exprimirá a emoção tal como a sentiu, e como pessoa única, o seu sentimento será individual, e quanto mais individual ele for, quanto mais o artista o extrair das profundezas da sua natureza, tanto mais sincero será, e essa mesma sinceridade impelirá o artista a encontrar a expressão clara do sentimento que ele deseja transmitir.

Se a obra não transmite a singularidade do sentimento do artista, não sendo portanto individual; se não é expressa de maneira inteligível e se não teve origem na necessidade interior de expressão do artista, não é obra de ARTE.

Tolstoi diz que para definir correctamente a arte é necessário em primeiro lugar, deixar de a considerar um meio para obter prazer e considerá-la antes, uma das condições da existência humana, uma das formas de comunicação entre os seres humanos.

Enquanto pelas palavras uma pessoa transmite a outra os seus pensamentos, pela arte ela transmite os seus sentimentos. A actividade artística é baseada no facto de uma pessoa ao receber a expressão do sentimento de outra pessoa, ser capaz de ter a experiencia emocional que motivou aquele que a exprime. Desde que os receptores sejam contagiados pelos mesmos sentimentos que o criador sentiu, há arte. Quando alguém tem a experiencia de um estado mental de união com o criador e com outras que também partilham essa obra, então o objecto que evoca esse estado mental é uma obra de arte. E a verdade é que este sentimento é interno. A principal peculiaridade deste sentimento, é que o receptor de uma verdadeira impressão artística, está tão unido ao artista que sente como se a obra fosse sua, como se o que ela exprime fosse o que justamente há muito andasse a querer exprimir. Uma verdadeira obra de arte destrói na consciência do receptor a separação entre ele próprio e o artista e entre aqueles cujas mentes recebem essa obra de arte. É nesta libertação do isolamento na personalidade que nos une aos outros, que reside a principal característica e o grande poder de atracão da arte.

A teoria formalista de Clive Bell diz que um objecto é arte se e só se, causar, em virtude das suas características formais uma emoção peculiar, a emoção estética naqueles que o apreciam.

As obras de arte evocam esta emoção estética porque todas as obras de arte genuínas partilham uma qualidade essencial e comum: a forma significante, que é uma certa relação entre as várias características formais da estrutura de uma obra, as linhas, as combinações de cores e as texturas, que combinadas de uma maneira particular possuem a forma significante que produz a emoção estética.

A forma significante é uma propriedade indefinível que é reconhecida intuitivamente pela sensibilidade estética que depende da cultura do sujeito, das aprendizagens, dos interesses e do grau de abertura à experiência do belo. A sensibilidade artística vai amadurecendo e vai-se tornando mais rica através das experiências, da educação e da cultura. Porém, para saber se um objecto é arte ou não, é preciso aliar a sensibilidade à inteligência.

Clive Bell é defensor da teoria formalista da arte e da arte abstracta.

A teoria institucional de Dickie afirma que a atitude interessada (com propósito ulterior) ou desinteressada (sem propósito) acaba por ser uma distinção motivacional ou intencional.

Esta teoria institucionalista é uma tentativa recente de explicar como artes tão variadas e tão diferentes podem ser consideradas obras de arte. A teoria afirma existirem duas coisas comuns a todas elas.

Em primeiro lugar, todas as obras de arte são artefactos, pois todas foram parcialmente manipuladas por seres humanos.

Em segundo lugar e mais importante, a todas aquelas obras foi dado o estatuto de obra de arte por um membro ou conjunto de membros do mundo da arte, alguém com a autoridade apropriada que as baptiza como obras de arte. Porém, baptizar uma coisa como obra de arte não significa que se trate de uma boa nem má obra de arte.

A maior parte das pessoas não estão apenas interessadas ao que chamamos arte, querem saber porque valorizamos mais uns objectos que outros.

Quer a teoria da forma significante quer a idealista, são parcialmente valorativas. Segundo elas, chamar a algo obra de arte é dizer que é boa num certo sentido, quer porque tem uma forma significante, quer porque é a expressão artística de uma emoção. A teoria institucional, contudo, não procura dar uma resposta a questões valorativas acerca da arte. É extremamente aberta acerca do que pode contar como arte. Algumas pessoas vêm isto como a sua maior virtude, outras como o seu pior defeito.

A Crítica de arte é outra área importante de debate filosófico e procura saber até que ponto as intenções manifestas do artista são relevantes para a interpretação crítica de uma obra de arte.

Os anti-intencionalistas defendem que só temos que dar atenção às intenções presentes na própria obra de arte. As entrevistas com o artista, diários do artista ou seja o que for relacionado com o artista, não é directamente relevante para o acto de genuína interpretação crítica, pois essa informação é mais relevante para um estudo da psicologia do artista. Esta perspectiva, é usada para defender leituras e análises escrupulosas de textos e outras obras de arte. Esta perspectiva considera que a importância dos textos é maior do que a dos autores que os produzem, elevando-se o papel do crítico.

A crítica a estes anti-intencionalistas é que ela depende de uma concepção errada das intenções. E a boa crítica de arte usa todas as informações disponíveis, sejam elas internas ou externas à obra de arte em questão.

 

C – Conhecimento e Ciência

37Filosofia do Conhecimento (gnosiologia)

- As várias etapas para descrever e interpretar a actividade cognitiva e as Teorias do Acto de Conhecer.

- Os 3 tipos de conhecimento e a definição Tradicional de Conhecimento apresentada por Platão na sua obra Teeto e a refutação Contemporânea a esta obra feita por Gettier.

- A Estrutura do acto de conhecer na Análise Fenomenológica do Conhecimento e a questão da Dicotomia ou da correlação entre Sujeito/Objecto para procurar esclarecer os problemas que esta relação nos apresenta.

- As várias Teorias do Conhecimento.

3 tipos de conhecimento porque saber algo é conhecer a realidade mas é muito diferente de se pensar que se sabe algo ou de saber fazer algo.

O conhecimento de saber fazer algo, de aptidões ou habilidades, como pintar;

O conhecimento pelo contacto de conhecer alguém ou algo;

O conhecimento saber que de conhecimento proposicional ou conhecimento de verdades, o único que interessa à filosofia.

Chamamos conhecimento proposicional porque numa proposição existe uma estrutura onde algo é verdadeiro ou falso, como por exemplo: eu sei que Platão foi discípulo de Sócrates.

Para conhecer a definição verdadeira ou falsa de um conceito numa proposição, temos que especificar as condições necessárias e suficientes, para que a definição do conceito não seja demasiada abrangente, generalizada, ou demasiadamente restritiva.

Conhecimento e Crença: Por crença os filósofos não querem dizer unicamente a fé religiosa mas sim qualquer tipo de convicção que uma pessoa possa ter. Uma crença, convicção ou opinião é também uma relação entre o sujeito que tem a crença e o objecto dessa crença. Sem crença não há conhecimento.

Partindo do princípio que o sujeito tem que acreditar no que enuncia, o conhecimento não pode ser só uma mera crença, pois se saber algo é conhecer a realidade, saber algo é muito diferente de apenas pensar que se sabe algo que mais tarde descobrimos não saber.

Logo, para além da crença numa dada proposição esta tem de ser verdadeira, ou seja, o conhecimento requer o elemento subjectivo mas também este elemento objectivo de verdade. A proposição tem de ser verdadeira e o sujeito tem de acreditar que esta é verdadeira.

Conhecimento e verdade: Nenhuma crença falsa pode ser conhecimento. O conhecimento é factivo, ou seja, não se pode conhecer falsidade. Dizer que o conhecimento é factivo é apenas dizer que sem verdade não há conhecimento. A verdade é uma condição necessária para o conhecimento.

Será que uma crença verdadeira é suficiente para o conhecimento? Não, pois as crenças verdadeiras que o são por acaso, em que a verdade existe mas por mera sorte ou por palpite, é verdadeira mas não é suficiente para o conhecimento.

Conhecimento e justificação: o conhecimento precisa de dados de apoio ou uma justificação racional, a existência de boas razões a favor da crença, pois as crenças que são defendidas irracionalmente não podem ser conhecimento, mesmo que sejam por acaso verdadeiras.

Conhecimento é uma crença verdadeira justificada.

O sujeito conhece determinada proposição, se e somente se, o sujeito acredita na proposição, se a proposição é verdadeira e se a crença do sujeito na proposição está justificada.

São então 3 as condições necessárias para uma proposição ser conhecida: o sujeito acredita que a proposição é verdadeira e o sujeito tem uma justificação para acreditar na verdade da proposição.

Na Definição tradicional de conhecimento enunciada na obra “teeto” de Platão este diz que: O conhecimento distingue-se da mera crença e distingue-se da verdadeira crença, pois apenas existe quando é Crença Verdadeira Justificada.

Esta teoria CVJ diz que para ter conhecimento basta ter crenças verdadeiras justificadas. CVJ, são cada uma delas, separadamente, condições necessárias do conhecimento. Mas podemos perguntar: serão CVJ condições necessárias suficientes?

Em 1963 Gettier refuta com contra exemplos a tradicional teoria CVJ demonstrando que esta é falsa e diz que um indivíduo pode ter uma crença verdadeira e justificada mas mesmo assim não ter conhecimento, que as 3 condições não são suficientes.

Mesmo com uma crença verdadeira em que a fonte da justificação seja altamente credível, esta não é infalível. Mesmo um relógio suíço que tenha sido sempre muito fiável no passado, esta indução é apenas probabilística e o relógio pode parar. Acontece que ao olharmos para o relógio, por coincidência ele pode ter parado precisamente á 24 horas atrás e por isso os ponteiros indicarem a hora certa. Eu penso estar certo e de facto o relógio está certo, mas contudo é apenas coincidência.

As fontes de informação podem sempre ser susceptíveis de erro. Uma falsa percepção de uma imagem particular, que mesmo que falsa me leve a acreditar que é verdadeira, ela sendo falsa, pode até por qualquer motivo levar a que aquilo que afirmo ou nego seja verdade, só que eu não sei que ela é verdadeira nem porquê, apenas penso que é verdadeira e isso não é conhecimento, mesmo que verdadeiramente justificado.

Tudo depende da força que dá-mos à justificação e de como a entendemos. Se nesta teoria a condição de justificação de uma crença quer dizer ter dados 100% infalíveis, então nada a pode refutar. Mas se os dados não precisarem de ser infalíveis e possamos ter crenças racionais apenas muito bem suportadas, então a crença verdadeira justificada não é suficiente par o conhecimento. Porém se for o caso, a teoria é refutada mas continua em aberto até alguém encontrar uma solução, ou se quisermos até a solução aparecer a alguém.


 
38 - Análise Fenomenológica do Conhecimento e a Dicotomia Sujeito/objecto


Numa descrição e interpretação do acto cognitivo o processo de conhecimento envolve vários elementos e desenrola-se em várias etapas:

as sensações através dos órgãos sensoriais, a percepção, como processo de organização de dados para uma interpretação imagética do objecto, a razão, que elabora representações mentais ou conceitos e introduz relações lógicas, estabelece relações num processo infinito de busca da verdade.

A fenomenologia é o estudo dos fenómenos. É um método de análise ou uma atitude face ao real que consiste em descrever aquilo que se manifesta, aparece ou revela numa experiência, o que se mostra. Fenómeno é o que se revela por si mesmo o que pode ser objecto de uma descrição.

No Acto de conhecer existe uma correlação entre um sujeito cognoscente e um objecto cognoscível que se encontram face a face e esta relação é o próprio conhecimento.

O sujeito que quer conhecer, sai de si em direcção ao objecto, permanece fora de si e de seguida tem de regressar a si.

Nesta relação oposta, sujeito e objecto condicionam-se mutuamente mas as posições são irreversíveis.

A função do sujeito consiste em apreender o objecto e a do objecto em poder ser efectivamente apreendido. A apreensão do objecto que é feita pelo sujeito e pode ser descrita como uma saída do sujeito para fora da sua própria esfera e como um a incursão na esfera de natureza diferente do objecto. O sujeito apreende as determinações ou características do objecto e ao apreende-las, fá-las entrar na sua própria esfera ao regressar a si.

O conhecimento realiza-se em 3 tempos: O sujeito sai de si, está fora de si e regressa finalmente a si.
Nada muda no objecto, este mantém-se exterior e independente do sujeito, pois as características do objecto não são deslocadas, são apenas representadas na esfera do sujeito. O objecto não é modificado pelo sujeito, mas sim o sujeito pelo objecto, pois no sujeito alguma coisa se transformou no acto do conhecimento. No objecto nada de novo foi criado, mas no sujeito nasce a consciência do objecto com o seu conteúdo, a imagem reproduzida do objecto.




Teorias do Conhecimento

39Possibilidade do Conhecimento

Pode o sujeito realmente apreender o objecto? E será possível justificar as crenças que pensámos que constituem o conhecimento? Esta é a questão da possibilidade do conhecimento.

O Dogmatismo: afirma que sim, existe um conhecimento e ele não constitui nenhum problema, as nossas crenças, além de verdadeiras podem estar adequadamente justificadas.

O dogmatismo radical é uma espécie de fundamentalismo intelectual onde se expressam verdades certas, indubitáveis e não sujeitas a qualquer tipo de revisão ou crítica. Este dogmatismo é ingénuo pois não se apercebe de que o conhecimento é uma relação entre sujeito e objecto, logo, diz que a apreensão é evidente. Acredita que os objectos nos são dados directamente e de um modo absoluto, tal como são em si mesmo. Esta ingénua confiança nos sentimentos e na razão leva o dogmático a considerar que é possível chegar, não só há certeza, como também á verdade.

Porém, uma pessoa é radicalmente dogmática quando aceita crenças sem qualquer justificação e se recusa a avaliar criticamente as suas crenças. Daí que nenhum filósofo, ainda que não seja céptico aceite ser descrito como dogmático, pois o filósofo procede a um exame crítico daquilo que lhe é fornecido pelos sentidos e da nossas faculdades de conhecer.

Um dogmático moderado pode admitir que muitas das nossas crenças podem ser falsas ou carecer de justificação, mas defende que é possível justificar algumas das nossas crenças.

 
O Cepticismo: diz que não, questiona a possibilidade de uma real apreensão e põem em causa a ideia de que as nossas crenças, além de verdadeiras estão adequadamente justificadas, pois alegam haver sempre boas razões para se duvidar de tudo.

O Cepticismo Moderado nega apenas a possibilidade de um saber rigoroso e limita a sua negação de um conhecimento real apenas a certo tipo de crenças.

O cepticismo Radical: é uma doutrina filosófica que prega a impossibilidade de conhecer a verdade afirmando que não é possível conhecer o objecto absoluto. Consiste em negar de forma total a nossa possibilidade de conhecer a verdade.

Os cépticos radicais ou pirrónicos, defendem que devemos suspender o juízo em relação a todas as crenças.

Pirro é o fundador do cepticismo e sugere a suspensão do juízo e Sexto Empírico apresenta os modos cépticos conducentes à suspensão do juízo:

As divergências de opinião que leva as autoridades mais credíveis a conflitos intermináveis e que faz com que, devido à dificuldade ou incapacidade de escolher ou rejeitar uma crença, devemos suspender o juízo, pois mesmo que não estejam todas as opiniões erradas, também nenhuma justificação é satisfatória.

As ilusões de percepção ou relatividade das aparências que o sujeito recebe do objecto, pois a justificação de crenças baseia-se na nossa percepção, e esta, é o modo como tomámos consciência dos objectos através dos nossos sentidos e porque uma ilusão perceptiva é uma falsa imagem da realidade criada pelos nossos sentidos.

A regressão infinita da justificação ad infinitum das nossas crenças, que não tem um ponto de partida, pois o único modo de justificar as nossas crenças é recorrer a outras crenças. Dá-se uma regressão infinita sempre que se inicia um processo de recuo sem fim. A justificação hipotética em que se parte de uma pré-suposição garantida e sem provas e o raciocínio circular em que a confirmação daquilo que se quer confirmar, deriva precisamente daquilo que precisa de confirmação.


O Criticismo Metafísico afirma a impossibilidade de conhecermos tudo aquilo que ultrapassa a nossa experiência sensível. É uma posição intermédia de Kant. O conhecimento é possível mas deve ser objecto de uma análise crítica de forma a conhecer-se as suas possibilidades e limites. Usa uma atitude reflexiva e crítica.

 


40 – Origem ou Fonte do Conhecimento


A questão é saber e decidir se o conhecimento é um objecto dos sentidos ou um objecto do pensamento.

Sendo a estrutura do sujeito dualista: ou seja, sendo o homem um ser espiritual e sensível, podemos distinguir 2 tipos de conhecimento: a Razão como fonte do espiritual e a Experiência como fonte do sensível.

Mas qual a fonte ou a base do verdadeiro conhecimento? A Razão ou a Experiência?

A origem do conhecimento reside nesta questão: de que principal fonte tira a consciência cognoscente os seus conteúdos? É a razão ou a experiência a fonte e a base do conhecimento?

A teoria associada à ideia de que a origem do conhecimento está na razão é o racionalismo. Na sua forma extrema, o racionalismo defende que, em última instância, todo o conhecimento deriva ou depende de verdades obtidas apenas a partir da razão (a priori) ou seja, verdades anteriores à experiência, independentes da experiência mas dependentes da razão.

As noções de a priori e de a posteriori exprimem modalidades epistémicas. O a priori e o a posteriori são modos de conhecimento. Se sabes através da experiência, sabes a posteriori, se sabes pelo pensamento, sabes a priori. Em si, as crenças não são a priori ou a posteriori.

Para o Racionalismo a razão é a fonte do conhecimento verdadeiro que tem que ser: universalmente válido (válido para todos os sujeitos) e logicamente necessário (não pode ser de modo diferente do que é, tem de ser assim e não pode ser de outro modo). Ou seja, só os juízos que provêm da razão (sem interferência dos sentidos) têm necessidade lógica e validade universal. É o caso do conhecimento matemático: forma que serve de modelo à interpretação racionalista do conhecimento predominantemente conceptual e dedutivo (que parte do geral para o particular, das causas para os efeitos) pois todos os conhecimentos matemáticos derivam de alguns conceitos gerais.

O racionalismo pressupõe a existência de ideias inatas na consciência do sujeito: ideias fundamentais que se opõem à diversidade empírica. Os racionalistas não negam a existência do conhecimento empírico, que haja ideias que derivem da experiência, porém essas ideias não-inatas são confusas, logo não podem ser a base do conhecimento válido. A experiência apenas força a razão a procurar em si o conhecimento. O conhecimento sensível é considerado enganador. Por isso, as representações da razão são as mais certas e as únicas que podem conduzir ao conhecimento logicamente necessário e universalmente válido. Os racionalistas partem do princípio que o sujeito cognoscente é activo e, ao criar uma representação de qualquer objecto real, está a submete-lo às suas estruturas e ideias. O sujeito impõe-se ao objecto através das noções que traz em si.

Na sua perspectiva racionalista Platão admite dois mundos:

O mundo sensível, das sensações através dos sentidos, mundo este caracterizado pela imperfeição, pelas aparências: ou seja, as sombras, a mudança e a instabilidade. É o saber da opinião.

E o mundo inteligível das ideias através da razão, o mundo da perfeição e do verdadeiro saber aquele que constitui a verdadeira realidade, formado pelas essências e pelas formas imutáveis, pelos arquétipos, pelas ideias originais das quais as formas sensíveis participam.

Platão, ao considerar que a alma imortal está aprisionada no corpo, afirma que só obtemos verdadeiro conhecimento numa existência superior onde pudemos contemplar as ideias imutáveis, tais como (de justiça, bondade, belo, virtude). E que reencarnando a alma esquece o que aprendeu, porém se for bem orientada, acabará por lembrar todas essas noções. Nesta teoria da reminiscência, aprender é recordar. As nossas ideias são cópias das verdadeiras ideias. À opinião, que provém dos sentidos, opõem-se o verdadeiro saber, que é obtido pela razão.

Descartes é considerado o fundador do racionalismo moderno, após ter suspendido a validade de todos os conhecimentos, descobre que a única coisa que resiste à própria dúvida é a razão. Descartes descobre ainda que possuímos ideias inaptas que se impõem à razão, mas que não derivam da experiência. Só com base nestas ideias claras e distintas, se poderia construir por dedução um conhecimento universal válido e necessário. Estas ideias por serem evidentes, têm a sua fonte na razão, sendo por isso inaptas.

O cepticismo, vinha colocar em causa a validade de todos os conhecimentos e por isso, Descartes, o criador da filosofia moderna, vai procurar rebater o cepticismo para conhecer e encontrar uma verdade inquestionável e princípios indubitáveis que servissem de fundamento ou alicerce ao conhecimento.

Como o conhecimento matemático é rigoroso e demonstrativo e as verdades matemáticas apresentam-se com o carácter de universalidade e de necessidade lógica, pois negá-las implicaria contradição, Descartes apoia-se no exemplo matemático para apresentar o seu modo de conhecimento.

Descartes, poderia ter aceitado a definição de conhecimento como crença verdadeira justificada, mas como o seu modelo de conhecimento é o matemático, a crença, para ser considerada conhecimento, tem de ser considerada absolutamente certa, tem de resistir a qualquer dúvida.

O objectivo fundamental do seu pensamento é a reforma profunda do conhecimento humano, pois o conjunto dos conhecimentos, que constituem o sistema do saber, o edifício científico tradicional, está assente em bases frágeis e não estão devidamente ordenados.

Para constituir a ciência em bases firmes é necessário um princípio de tal modo evidente que o pensamento não possa dele duvidar. E assim, Descartes liga a verdade à certeza e considera que a certeza tem de se impor ao espírito com carácter de evidência e com o rigor dedutivo, para ser a marca da verdade e o meio de justificação da crença.

 
A dúvida cartesiana

1- A fim de encontrar esse princípio, decidiu seguir o método céptico: pôr em dúvida tudo o que até então tinha dado como certo para verificar se algo lhe resistia. Porém partindo da dúvida, Descartes, ao contrário do céptico, não permanece nela, pois ele não duvida por duvidar, duvida porque procura um conhecimento absolutamente seguro, que resista à dúvida mais obstinada, do qual não haja razões para duvidar. Por isso a dúvida cartesiana é metódica: é verdadeiro apenas o que resiste a toda e qualquer dúvida.

2- De tão rigoroso no exame da aplicação da dúvida esta assume um carácter hiperbólico, excessivo, o que significa que iremos duvidar sempre, considerando como absolutamente falso o que for minimamente duvidoso e sempre enganador aquilo que alguma vez nos enganou e para isso é necessário explorar todas as possibilidades de erro, porque resistir à dúvida é uma condição necessária para o tipo de conhecimento que procuramos.

3- E porque examina cuidadosamente todas as possíveis fontes de erro se diz que a dúvida cartesiana é sistemática.

Os 3 níveis de aplicação da dúvida

1º Nível: A dúvida vai aplicar-se em primeiro lugar às informações dos sentidos. Descartes, começa com dúvidas moderadas e observa que na maior parte do tempo, acreditamos nos nossos sentidos, mas, os nossos sentidos, por vezes, enganam-nos com demasiada frequência e, portanto, apliquemos então o princípio hiperbólico, considerar como sempre enganador o que nos engana algumas vezes, então os sentidos não merecem qualquer confiança.

2º Nível: Descartes vai pôr em causa a convicção ou a crença imediata na existência das realidades físicas ou sensíveis e para isso, baseia-se na impossibilidade de encontrar um critério absolutamente convincente que nos permita distinguir o sonho da realidade, pois há acontecimentos que, vividos durante o sonho, são vividos com tanta intensidade e autenticidade como quando estamos acordados que os tomamos pela realidade e não havendo uma maneira clara de diferenciar o sonho da realidade, posso desconfiar que os acontecimentos e todas as coisas sensíveis, as que julgo reais, nada mais são do que figuras de um sonho, incluindo o corpo, a crença de que abro os meus olhos, movo a minha cabeça, etc.

Há a possibilidade de que esteja numa realidade virtual. Há a possibilidade de que toda a gente à volta conspire para contar uma falsa história acerca do mundo. E existe a favorita dos filósofos, a possibilidade de um "cérebro numa cuba" ligado a um computador através de nervos, de tal modo que tenha a experiência que teria se estivesses em interacção com o mundo externo, mas é claro que não há nenhum mundo à volta do teu cérebro e de modo algum um mundo igual ao da experiência fornecida pelo computador.

Mas Descartes chama a atenção: algumas crenças resistiriam a estas dúvidas: o conhecimento matemático, pois esteja eu acordado ou a dormir, dois mais três serão sempre cinco, e um quadrado terá sempre quatro lados.

3º Nível: Descartes vai pôr em causa o conhecimento matemático, o próprio entendimento, pois sendo que a maior parte do tempo acreditamos nele, também frequentemente cometemos imensos erros e ele nos engana, logo, devemos também desconfiar dele.

O argumento que vai abalar a confiança depositada nas noções e demonstrações matemáticas baseia-se numa hipótese ou numa suposição:

Um deus enganador, que ao criar o meu entendimento, ao «depositar» nele as «verdades» matemáticas, pode tê-lo criado «virado do avesso» sem disso me informar e logo à partida o meu entendimento pode estar radicalmente pervertido, tomando por verdadeiro o que é falso e por falso o que é verdadeiro.

Este espírito poderoso enganador, esta espécie de génio maligno, tem uma obsessão: enganar-me e fornecer à minha mente experiências ilusórias, como se estivesses a ter alucinações e induzir-me a acreditar que tenho duas mãos, que tenho um corpo, que há uma realidade exterior a mim, ou que 2 + 3 são 5, sendo tudo isto, falso. Todos os meus pensamentos podem ser mero produto da acção maligna deste poderoso génio.

 
Resultado da aplicação da dúvida:

Ela pôs tudo em causa. Neste momento, reina o cepticismo: tudo é falso, nada é verdadeiro, nada resiste à dúvida. Porém, quando a dúvida atinge o seu ponto máximo, uma verdade indubitável vai impor-se:

Duvidar é um acto que tem de ser exercido por alguém e o acto de duvidar é a existência do sujeito que pensa. Logo, a existência do sujeito que duvida é uma verdade indubitável: não pode de modo algum ser posta em causa.

Embora pudesse estar completamente enganado e iludido acerca de tudo, não posso duvidar da existência do próprio pensamento.

Descartes aqui a primeira certeza que iria eleger como o primeiro princípio da sua filosofia:

1 - Cogito: penso, logo existo.

Esta certeza/verdade = O Cogito = Eu penso, logo existo, vai ser o critério ou o modelo de toda e qualquer verdade ou evidência posterior: serão verdadeiros todos os conhecimentos que forem claros e distintos como este primeiro conhecimento.

Descartes apercebe-se de que o que o torna este princípio indubitável é a clareza e distinção com que se impõe ao espírito, pelo que, a evidência será o critério para aceitar algo como verdadeiro.

Este principio indubitável é racional porque no momento em que o descobrimos nenhuma realidade sensível merece crédito.

Podemos dizer que a «raiz da árvore do saber», a «primeira pedra» do edifício do saber científico, não é um conhecimento sensível ou um conhecimento matemático, mas uma realidade metafísica: o sujeito puramente racional.

Mas como Descartes tinha suposto a existência de um génio maligno que o poderia enganar mesmo quando pensasse clara e distintamente, surge então uma questão inevitável: que garantias temos nós de que as ideias claras e distintas que obtemos pelo nosso pensamento são realmente verdadeiras?

Aqui Descartes reconhece a necessidade da existência de um Ser Superior, dotado de todas as perfeições, que pudesse garantir a veracidade dos conhecimentos obtidos, sempre que tivessem as marcas da evidência e do rigor dedutivo. Mas como provar a Sua existência?


2 - Deus como Ser Perfeito (não enganador) A prova da existência de Deus

Se duvido é porque sou imperfeito e duvidar é uma imperfeição, precisamente porque a comparação que faço das minhas qualidades consiste na ideia que tenho de perfeição, de um ser perfeito, a ideia de um ser que não duvida, que tudo sabe (omnisciente).

E desta ideia perfeita de ser Deus um ser perfeito deduzo a Sua existência: pois a ideia de perfeição jamais poderia ser criada por um ser imperfeito, pois um ser imperfeito não tem a capacidade para criar coisas perfeitas. Assim, Deus existe, enquanto causa da ideia de ser perfeito, pois só o que é perfeito pode ser a causa da ideia de perfeição, logo, se Deus é um ser absolutamente perfeito, Deus existe e a sua existência vai ser garante e fundamento da verdade.


3 - Mundo

Admitida a existência de Deus, Descartes aceita a existência do Mundo material e a possibilidade de o conhecer, pois se Deus existe e é perfeito, não pode querer que eu esteja enganado acerca da existência do mundo ou das leis da natureza que ele mesmo criou, porque se o fizesse não seria bom e a bondade é uma perfeição.

A partir de princípios evidentes: ideias claras e distintas e raciocínios dedutivos.

As ideias claras e distintas são para Descartes sementes de verdade implantadas por Deus em nós, que nada devem à experiência. São ideias inatas que estão na mente desde o nascimento e serão desenvolvidas pela razão sem apoio da experiência.

Apesar de a experiência através dos sentidos nos dar também ideias sobre as coisas exteriores e apesar da própria imaginação ser fonte de ideias forjadas por mim: é na razão que se encontra a evidência e o conhecimento indubitável.

Conclusão

Temos um eu pensante que funciona sobretudo de maneira dedutiva, um mundo cuja essência é extensão e um Deus que é a garantia do bom uso das nossas capacidades racionais.

 

Novamente, por último, a verdadeira controvérsia é saber e decidir se estes modos, esta matéria proposta, é um objecto dos sentidos ou um objecto do pensamento.

Sendo a estrutura do sujeito dualista: ou seja, sendo o homem um ser espiritual e sensível, podemos distinguir 2 tipos de conhecimento: a Razão como fonte do espiritual e a Experiência como fonte do sensível.

Mas qual a fonte ou a base do verdadeiro conhecimento? A Razão ou a Experiência?

A origem do conhecimento reside nesta questão: de que principal fonte tira a consciência cognoscente os seus conteúdos? É a razão ou a experiência a fonte e a base do conhecimento?

A teoria associada à ideia de que a origem do conhecimento está na experiência é o empirismo. Na sua forma extrema, o empirismo defende que, em última instância, todo o conhecimento deriva de, ou consiste em, verdades obtidas apenas a partir da experiência (a posteriori) ou seja, verdades obtidas depois da experiência, dependentes desta mas independentes da razão.

As noções de a priori e de a posteriori exprimem modalidades epistémicas. O a priori e o a posteriori são modos de conhecimento. Se sabes através da experiência, sabes a posteriori, se sabes pelo pensamento, sabes a priori. Em si, as crenças não são a priori ou a posteriori.


Para o Empirismo a experiência é a fonte do conhecimento verdadeiro. A consciência cognoscente tira os seus conteúdos da experiência, ou seja, o espírito humano está por natureza vazio, como uma tábua rasa como uma folha em branco e é preenchido à medida que se vai experienciando. Ao colocarmos água no copo vazio ele irá encher-se. Há medida que vamos tendo experiências, a consciência irá sendo preenchida. Não há pois conhecimento independentemente da experiência, pois esta parte de factos concretos. No empirismo, todo o conhecimento procede da observação empírica (resulta da impressão dos dados dos sentidos) e as ciências experimentais servem de modelo à interpretação empírica do conhecimento, pois a experiência tem um papel fundamental e os factos são comprovados mediante uma cuidadosa observação empírica.

O empirismo nega a existência de ideias inatas (à priori) pois diz que a razão não pode criar conhecimentos a partir de si mesma, pois só pode usar materiais extraídos da experiência e por processos que também adquiriu através da experiência. Como a mente está vazia antes de receber qualquer tipo de informação proveniente dos sentidos, nada pode existir na mente que não tenha passado antes pelos sentidos. Não há nada, nenhuma ideia ou conhecimento antes da primeira experiência. Na origem do conhecimento está a experiência e os limites do conhecimento são postos nos limites da própria experiência. À razão é reservada um papel meramente organizador das percepções, sendo as ideias ou conceitos da razão, o resultado ou mesmo meras cópias das informações provenientes da experiência, logo, todas as ideias têm uma base empírica, até as mais complexas. Os empiristas reservam para a razão a função de mera organização de dados da experiência sensível, sendo estas ideias ou conceitos da razão simples cópias ou combinações da experiência, em que o objecto se impõe ao sujeito.

Jonh Locke afirma que o conhecimento começa do particular para o geral, das impressões sensoriais para a razão.

Se todo o nosso conhecimento provém da experiência, não existem princípios ou ideias inaptas. A alma ou o espírito humano, é de início uma tábua rasa, uma página em branco onde a experiência escreve.As ideias, quer sejam provenientes da razão, quer provenham da reflexão, têm sempre na experiência a sua origem. As ideias complexas, não são mais do que combinações realizadas pelo entendimento de ideias simples, formadas a partir da recepção dos dados empíricos.

Locke procura e estuda os mecanismos de associações de ideias e desenvolve uma análise de natureza psicológica: Psicologismo: o conhecimento resulta da associação de ideias simples e ideias complexas.
Locke distingue ideias simples: uma pétala, que é apenas uma parte do todo, são todas as particularidades que provêm da sensação (experiência externa) e da reflexão (experiência interna) e que são o material com que o espírito, a consciência ou o intelecto constrói outras ideias:

E as ideias complexas: a flor, que é a visão do todo, a reflexão das particularidades que derivam da ligação de ideias simples fornecidas pela experiência. E estes mecanismos de combinação e associações de ideias provêm da experiência: seja a experiência externa (sensação) pela qual captamos os objectos exteriores e sensíveis colhidos pelos órgãos dos sentidos, seja a experiência interna (reflexão) pela qual se captam as operações internas da mente, marcam os limites do conhecimento.

O nosso conhecimento não pode ir além da experiência e é duplamente limitado: pela extensão, pois o entendimento não pode ir além do que a nossa experiência permite conhecer, e pela certeza, pois só podemos ter certezas acerca daquilo que cai dentro dos limites da experiência.

David Hume reformula a asserção de Locke de que não existem ideias inatas: Para Hume todas as ideias humanas são cópias de impres¬sões, é impossível aos seres humanos ter uma ideia de algo que não tenham primeiro experimentado enquanto impressão.

Hume utiliza o termo Percepção para referir qualquer conteúdo da experiência.

E distingue dois tipos básicos de percepções: as impressões e as ideias com vários graus de força: a impressão é a sensação mais viva, a ideia é o sinal ou recordação que a impressão deixa gravada na mente, não passa de uma impressão esbatida.

As Impressões: correspondem aos dados da experiência sensorial são as nossas percepções mais vivas, mais vividas: são as experiências obtidas quando o indi¬víduo ouve, observa, sente, ama, odeia, deseja ou tem vontade de algo. São as sensações externas: auditivas, visuais, tácteis, olfactivas e gustativas. E os sentimentos internos: emoções e ideias. As impres¬sões são mais claras, mais pormenorizadas que as ideias.

As Ideias: também são percepções, mas as que correspondem às impressões menos intensas, das quais somos conscientes quando reflectimos sobre as sensações das impressões mais vivas. São cópias das impressões, são as imagens que ficam como marcas nos nossos pensamentos uma vez apagadas as impressões, são as recordações das impressões, as representações, as imagens debilitadas ou enfraquecidas das impressões no pensamento. E para Hume, a capacidade de um indivíduo imaginar algo sem ter uma impressão, baseia-se na imagem das ideias simples da memória: a ideia de cavalo, e a de coisas com asas. E nas imagens das ideias complexas da imaginação: que cria por exemplo a ideia de um cavalo alado. A imaginação permite-nos associar as ideias simples entre si, para formar ideias complexas. Logo, qualquer ideia tem origem nas impressões sensoriais.

Hume dedica principal atenção à ideia de causalidade e esta ideia, de uma relação de causa-efeito ou de conexão necessária entre os fenómenos, é refutada por Hume, que afirma que a ideia de causalidade no raciocínio indutivo, em que determinado fenómeno (causa) conduzirá necessariamente a outro fenómeno (efeito) não tem um fundamento lógico nem real. Explica que a necessidade que o sujeito tem de fazer depender um fenómeno do outro reside apenas numa base psicológica, pois com o hábito e o costume de vermos antes o fogo e depois o fumo e de os associarmos sempre um ao outro, faz com que não possamos pensar de outro modo, pois transformamos a sucessão em conexão e constatamos que um fenómeno se sucede ao outro. Logo, a causalidade resulta de hábitos mentais ou da crença de que existe uma ligação necessária entre os fenómenos, porém, a ligação causal entre os fenómenos não é algo que possa ser observado, o que observámos é apenas uma sucessão cronológica de fenómenos em que uns são anteriores a outros. Esta sucessão, leva-nos a concluir que o acontecimento A foi causado pelo B, porém o que efectivamente observámos, é apenas o facto de que um se segue ao outro. Acreditámos que a natureza é regida por leis invariáveis de causa e efeito, mas tal não passa de uma ilusão. E apesar disso, continuámos a afirmar como se fosse uma certeza absoluta que A foi causado por B. Assim, Hume chega à conclusão de que os fundamentos da ciência são deste modo de natureza psicológica.



Apriorismo Kantiano ou Racionalismo Crítico de Kant
é uma tentativa de mediar a dicotomia entre o racionalismo e o empirismo.

A crítica de Kant incide sobre a estrutura do conhecimento e a sua investigação tem um carácter transcendental, pois acima de tudo procura descobrir o nosso modo de conhecer e a sua estrutura.

A sua finalidade na sua crítica da razão pura, é saber como é possível a metafísica enquanto ciência e para isso elabora uma crítica que define as condições dessa possibilidade.

Kant não perguntará se é possível o conhecimento, mas COMO é possível o conhecimento. Qual a origem do conhecimento, como começa ele, quais as faculdades envolvidas no processo cognitivo, que papel desempenham e o que posso conhecer, ou seja, quais os limites do conhecimento e qual o fundamento da sua validade.

A originalidade de Kant consiste na formulação de juízos sintéticos à priori: extensivos, necessários e universais: a verdade destes juízos não depende da experiência.

Kant começa por analisar a nossa capacidade de conhecer e baseia-se em três princípios apriorísticos: a sensibilidade, o entendimento, a razão.

Para Kant todo o conhecimento começa com a experiência mas não deriva dela.

A Sensibilidade: recebe toda a diversidade de impressões sensoriais que provêm da experiência do mundo exterior, são as chamadas intuições empíricas da sensibilidade, e estas, que por meio das sensações se relacionam com os objectos, com aquilo que podemos conhecer, são enquadradas no:

Espaço e no Tempo que são: intuições puras da sensibilidade: que desprovidas de qualquer conteúdo, não derivam da experiência mas antes são estruturas transcendentais da nossa sensibilidade, são formas inaptas, universais e necessárias, pois existem em todos os seres humanos e sem elas não nos seria possível qualquer experiência.

É aqui no espaço e no tempo que nós enquadramos e percepcionamos os objectos, os fenómenos, as realidades empíricas ou sensíveis que podemos espacializar e temporalizar. Sendo a sensibilidade indispensável para o conhecimento, ela é necessária, mas não é suficiente para que haja conhecimento científico dos fenómenos, pois o conhecimento começa com a sensibilidade mas não deriva da experiência, mas sim de certas formas à priori do sujeito que conhece: o entendimento. Os fenómenos só podem ser conhecidos objectivamente, através do entendimento.

O Entendimento: desenvolve uma actividade lógica, produz representações, forma conceitos e formula juízos. E tal como a sensibilidade, também é inapto, provém de formas à priori, de conceitos puros que abrangem:

as 12 categorias de Kant, formas que nos permitem pensar os objectos em geral, na sua substância, unidade e causalidade, e que são utilizados para organizar os dados da experiência, principalmente a categoria de causalidade, pois o entendimento está equipado com o conceito de causa.

Conhecer um fenómeno só é possível quando o entendimento aplica o conceito de causa, que permite estabelecer relações de dependência entre dois fenómenos, transformando um em causa e o outro em efeito.

Nenhuma faculdade pode conhecer seja o que for sozinha, por si só. O entendimento precisa do contributo da sensibilidade, que mediante as formas à priori, recebe impressões ou dados sensíveis aos quais o entendimento (que não tem o poder de intuir) aplicará os seus conceitos, tornando o conhecimento possível. Todos os conhecimentos estão limitados aos dados da intuição empírica da sensibilidade, dados que esta coloca ao dispor do entendimento e do seu conceito por excelência: o conceito de causa.

O conceito de causalidade, está limitado aos dados sensíveis, pois só funciona dentro de limites espácio-temporais. Só podemos atribuir a propriedade de causar, a algo que seja fenómeno. E como o nosso conhecimento é limitado pelo espaço e pelo tempo, e a sua objectividade é garantida pelos elementos formais do entendimento, sendo assim, só podemos conhecer os fenómenos, aquilo que nos é dado no espaço e no tempo, não podemos conhecer a coisa em si mesma, o númeno, que apenas pode se pensado e que é incognoscível.

Fora do espaço e do tempo, não podemos conhecer qualquer objecto. E sendo o espaço e o tempo intrínsecos ao sujeito, o sujeito tem pois um papel activo e determinante na construção do conhecimento, logo Kant é um idealista transcendental: o objecto existe como um fenómeno que depende do sujeito, porém, existe também o númeno, uma realidade em si, mas que o sujeito não pode conhecer.

O númeno aproxima-se aqui do conceito de ideia, ou seja, da razão, que é a faculdade dos raciocínios, e são estes que procuram o incondicionado, o absoluto.

O objectivo da razão é: unificar os conhecimentos do entendimento e englobá-los numa unidade superior. Mas quando a razão, impõe ao entendimento a ultrapassagem das fronteiras da experiência sensível, a razão cai em contradição e o campo destas contradições chama-se Metafísica. A razão torna-se ilusão quando tenta ultrapassar o Fenómeno, porém puxa-nos ou impele-nos a passar os limites para conhecer o Númeno. E este incondicionado ou absoluto, é representado por 3 conceitos transcendentes da razão, as ideias transcendentais que exprimem o pensamento da totalidade da experiência: são as ideias de Deus, Alma e Mundo, que não são objectos da nossa experiência, mas são conceitos que servem apenas de guias reguladores do entendimento, direccionando-o para uma unidade cada vez maior. E dado que não podemos conhecer Deus, Alma ou Mundo na sua totalidade: não é possível uma metafísica como ciência das coisas em si. Apenas podemos conhecer os fenómenos no espaço e no tempo. Para chegar a Deus, é necessário outro caminho.


 
Em Piaget, o conhecimento é abordado numa perspectiva psicológica, sendo encarado como um processo, um devir.

Piaget afirma que existe uma interacção entre o sujeito e o objecto. O sujeito tem um papel activo na construção do conhecimento e a sua inteligência vai evoluindo em confronto com as experiências do meio.
Piaget apresenta uma teoria construtivista a psicologia do desenvolvimento da inteligência como adaptação do sujeito ao meio e o desenvolvimento intelectual está relacionado com a génese do conhecimento.

Segundo Piaget, a inteligência, constrói-se progressivamente ao longo do tempo, por estádios e a cada um, correspondem estruturas mentais organizadas, que envolvem diferentes mecanismos. E é graças a este conjunto de diferentes mecanismos, que a inteligência se desenvolve.

Os conceitos fundamentais destes mecanismos são: a inteligência, que encarada como uma adaptação, assegura o equilíbrio entre o organismo e o meio, através da assimilação e da acomodação.

Através da assimilação, o sujeito incorpora os elementos do meio aos esquemas já existentes, integra os dados, as informações que provêm do ambiente, nas suas estruturas cognitivas.

Porém, as estruturas mentais modificam-se em função das situações novas, gerando a acomodação: processo através do qual as estruturas do sujeito, sofrem alterações resultantes da integração dos dados ou informações que provêm do meio. O organismo, ao acomodar-se, submete-se ao meio.

O sujeito assimila do meio e como consequência desta incorporação transforma os seus esquemas mentais, assim, não há acomodação sem assimilação. E para que continuem a processar-se novas assimilações, são necessárias novas estruturas de acomodação.

A equilibração é o mecanismo que regula os dois processos: prepara ou adequada a assimilação à acomodação e vice-versa, permitindo a adaptação do indivíduo ao meio, numa compensação entre as novas aquisições e as anteriores. . Piaget dirá que a equilibração é mesmo o factor fundamental no desenvolvimento cognitivo.

A adaptação será o resultado do equilíbrio entre a assimilação e a acomodação, é o processo de equilíbrio interno entre o organismo e o meio através das actividades ou mecanismos da assimilação e da acomodação.

É através destes conceitos que Piaget vai abordar todo o desenvolvimento cognitivo. Da assimilação e da acomodação resulta sempre um novo equilíbrio, que nunca é idêntico ao anterior, mas que integrou o desconhecido no conhecido, ampliando as capacidades cognitivas. Todo o conhecimento se processa, na perspectiva de Piaget, na busca de novos equilíbrios, os quais resultam de sucessivas assimilações e acomodações. O ser humano possui estruturas que evoluem, amadurecem e dão origem a outras novas, qualitativamente diferentes, que correspondem a novas capacidades intelectuais e a novas possibilidades de operar.

E segundo Piaget, este desenvolvimento intelectual, constrói-se e processa-se ao longo do tempo em 4 estádios sucessivos e que seguem uma determinada ordem, em que cada estádio se distingue qualitativamente das fases anteriores e posteriores.

A cada estádio corresponde um esquema ou um conjunto de estruturas mentais subjacentes aos comportamentos, que organizam a interacção do sujeito com o meio, e uma estruturas cognitivas ou formas de organização mental que dotam o sujeito de determinadas capacidades intelectuais.

Cada um dos 4 estádios tem características próprias:

1º No estádio sensório-motor 0/2 anos: a inteligência é fundamentalmente sensorial e motora. É uma inteligência prática que vai dar lugar à inteligência representativa do estádio seguinte.

2º No estádio pré-operatório 2│6/7 anos: emerge a função simbólica, a capacidade de representar mentalmente objectos ou acontecimentos através de símbolos, palavras, objectos, gestos. A linguagem torna-se uma das mais importantes manifestações. As palavras, as frases representam pessoas, situações, objectos, acções. A imagem mental e o desenho são também manifestações da função simbólica. Outra característica é o egocentrismo, uma visão unilateral e superficial do real. A realidade encarada por um pensamento mágico é o que a criança sonha e imagina no jogo simbólico.

No 3º estádio das operações concretas 6/7│11/12: as crianças começam a ultrapassar o egocentrismo. O pensamento é lógico, desenvolve conceitos e é capaz de realizar operações mentais concretamente, se estiver na presença dos objectos, das situações. A capacidade de operar, assegura que já há a reversibilidade de voltar ao seu ponto de origem. É neste estádio que a criança desenvolve a noção de conservação da matéria sólida e líquida e de seguida de peso e volume. Assim como, os conceitos de espaço, tempo, número e lógica. Compreende a relação parte-todo e já é capaz de fazer classificações e seriações.

No 4º estádio das operações formais 11/12│16: aparece um novo tipo de pensamento abstracto, lógico e formal. A criança já resolve problemas sem o suporte concreto, realiza operações formais. Com raciocínio hipotético-dedutivo, coloca mentalmente as hipóteses deduzindo as consequências. Pensa abstractamente, formula e verifica hipóteses. Esta capacidade, abre caminho à reflexão filosófica e científica. Compreende posições diferentes da sua, porém, surge o egocentrismo intelectual, em que o adolescente considera que através do seu pensamento pode resolver todos os problemas e que as suas ideias e convicções são as melhores.

Segundo Piaget o desenvolvimento cognitivo que decorre ao longo destes 4 estádios também depende de um conjunto de 4 factores de desenvolvimento:

Hereditariedade e maturação interna Experiência física Transmissão social Equilibração

E a sua perspectiva integradora apresenta mais 5 características:

Psicobiológica, Interaccionista, Estruturalista, Construtivista, Funcional.


42 – Natureza ou Essência do Conhecimento

Realismo: no objecto exterior e independente.

Idealismo: imanente do interior do sujeito.

Idealismo Transcendental: no fenómeno, mas não podemos conhecer o númeno (a coisa em si mesmo).

 


Filosofia da Ciência (epistemologia)
Natureza e Estatuto do Conhecimento Científico

43 – Conhecimento vulgar e conhecimento científico

Conhecimento Vulgar provém do senso comum, é um conhecimento prático e superficial que responde aos problemas do quotidiano de forma acrítica e dogmática pois é adquirido e aceite por processos intuitivos perceptivos que não questionados, são absorvidos ingenuamente, carecendo de uma explicação. Também dependente de preconceitos, baseia-se em crenças amplamente partilhadas e transmitidas de geração para geração fazendo parte das tradições de uma colectividade. É também denominado empírico e espontâneo, pois é o conhecimento que todas as pessoas adquirem apenas baseado na experiência vivida ou transmitida por alguém, como resultado de repetidas experiências desordenadas e incoerentes de erro e acerto sem observação metódica nem verificação sistemática, mas antes com uma linguagem vaga e imprecisa, sem carácter científico, pois consiste em impressões muito dispersas e logicamente pouco estruturadas. Porém, sendo pouco organizado é válido e útil para satisfazer as necessidades práticas do dia-a-dia. Embora de nível inferior ao científico, o conhecimento vulgar não deve ser menosprezado, pois constitui a base do saber e já existia muito antes do homem imaginar a possibilidade da Ciência.

Não é necessário estudar Psicologia para se saber que uma pessoa está alegre ou está triste. Você conhece o estado de humor dessa pessoa porque empiricamente já passou por muitas experiências de contacto com pessoas alegres ou tristes. O lavrador interpreta a fecundidade do solo, os ventos anunciadores de chuva, o comportamento dos animais. Sabe onde furar um poço para obter água, quando cortar uma árvore para melhor aproveitar a sua madeira e se a colheita deve ser feita nesta ou naquela lua. Ele pode, inclusive, apresentar argumentos lógicos para explicar os factos que conhece, mas o seu conhecimento não penetra os fenómenos, permanece na ordem aparente da realidade. Como é fruto da experiência circunstancial, não vai além do facto em si, do fenómeno isolado.

O Conhecimento Científico resulta de investigação metódica e sistemática da realidade. Ele transcende os factos e os fenómenos em si mesmos, analisa-os para descobrir as suas causas e concluir as leis gerais que os regem.
Como o objecto da Ciência é o universo material ou físico, perceptível pelos órgãos dos sentidos ou por instrumentos de investigação, o conhecimento científico é obtido através de processos rigorosos de observação, análise e reflexão dos fenómenos verificáveis na prática, por experimentação. E tendo o firme propósito de desvendar os segredos da realidade, ele explica e demonstra os fenómenos com clareza e precisão, e descobre as suas relações de predomínio, igualdade ou subordinação com outros factos ou fenómenos. Por último, conclui leis gerais, universalmente válidas para todos os casos da mesma espécie.

É crítico porque põe em dúvida o que parece óbvio e avalia as coisas de modo racional, com imparcialidade e autonomia, com capacidade de revisão. É metódico, planeado e objectivo, pois utiliza procedimentos próprios para obter um conhecimento tão certo e seguro quanto possível tendo em atenção o facto, excluindo apreciações subjectivas. É sistemático, especializado e rigoroso, pois procura explicações para os factos com testes específicos que ultrapassam a vivencia do senso comum. Testam e confrontam as suas próprias teorias e usam uma linguagem rigorosa e precisa, por vezes matemática.


 
44 – Questões do método
Validade e verificabilidade das hipóteses

A Filosofia da ciência trata dos problemas filosóficos levantados pelas ciências da Natureza, pelas Sociais e pelas Formais. A Epistemologia visa responder à questão da justificação do conhecimento científico, da distinção entre ciência e não ciência, do método científico e da objectividade da ciência.

Para conhecermos cientificamente a natureza e as leis a que obedece o seu funcionamento, temos de fazê-lo de acordo com certas regras, com procedimentos regulares claramente definidos e passíveis de repetição. A estas regras damos o nome de método.

Um método é um instrumento, um guia que se segue para alcançar um objectivo. O método científico é, pois, o caminho que o cientista percorre para descobrir, investigar e alcançar os seus objectivos, com procedimentos ordenados e sistematizados que as diversas ciências seguem para descobrir verdades e leis científicas.

Não há um método único que possa ser mecanicamente aplicado às diferentes áreas de investigação. Cada ciência, ao determinar o seu campo de investigação, define uma perspectiva própria e um conjunto de objectivos e de procedimentos, métodos e técnicas, que lhe permitirão construir uma visão específica da realidade.

A importância do método: é ser responsável pela eficácia da investigação, dar credibilidade aos resultados da investigação e ser um dos critérios de demarcação que permite distinguir os conhecimentos verdadeiramente científicos dos que o não são.

O método científico tem como objectivo: conhecer e descrever os mecanismos de funcionamento da Natureza e o controlo desses mecanismos de funcionamento, tendo como objectivo geral, compreender como tudo funciona (à imagem do mecanismo de um relógio) para se poder prever e actuar.

A exigência de rigor aparece aliada a um ideal de matematização, ligando a observação e a experimentação à demonstração lógico-matemática. Daí a exigência metodológica.

O método aparece como um conjunto de procedimentos a ter em conta, sem os quais os resultados da investigação não terão credibilidade.

Os cientistas concebem teorias e hipóteses, porém para as avaliar, é preciso através de um método, recorrer à observação e experimentação, que pode ser confirmada ou refutada pela observação.


A Perspectiva Verificacionista: diz que uma teoria só é científica se consistir em afirmações empiricamente verificáveis. A experiência é usada com o propósito de confirmar e verificar a hipótese. A verificabilidade é proposta pelos empiristas que usam o método indutivo, sempre na procura de mais factos para confirmar, corroborar. A hipótese é submetida a testes laboratoriais e se passar é dada como válida, mas na realidade não nos leva à verdade dos factos, porque acabámos apenas por verificar alguns casos particulares e por isso, como diz Popper, não podemos generalizar.

A Perspectiva Falsificacionista: ao contrário, procura sempre factos para falsificar, refutar. É proposta por Popper no seu método Hipotético dedutivo. Aqui, a experiência é usada com o propósito de testar a resistência da hipótese à sua falsificação. Partindo deste princípio, as hipóteses propostas, serão tanto mais verosímeis, não quando confirmadas, mas quando tenham sobrevivido a contra exemplos e contra provas para a falsificarem e que mesmo assim, não tenham conseguido a sua refutação. Assim, uma teoria será científica, se resistir à tentativa de falsificabilidade.

O método indutivo-experimental: parte do particular para o geral. Realça a importância da observação enquanto primeira etapa do método científico, em que se começa por várias observações de um certo fenómeno. As observações têm de ser objectivas, rigorosas e neutras, o investigador deve ser imparcial na recolha e na interpretação dos dados, e sem preconceitos, não se deixar influenciar pelas suas crenças. A partir dos vários dados observados, o investigador induz uma hipótese e formula uma teoria, ou seja, uma explicação provável, proposta para explicar o problema que se está a investigar. De seguida, a hipótese deve ser verificada, confirmada ou rejeitada através da experimentação. Se a hipótese superar as provas experimentais e for confirmada transforma-se em lei, isto é, aquilo que foi observado e se verificou num certo número de situações é considerado verdadeiro para todas as situações, mesmo para as ainda não observadas. Com base nessa lei, podemos prever o que irá acontecer no futuro. Mas se os resultados futuros de observação não concordarem com as previsões, a lei ou teoria terá que ser modificada.

Durante o séc. XIX e princípio do séc. XX, as ciências naturais (também designadas ciências exactas ou experimentais) tomadas como padrão de cientificidade, consideraram que:

O procedimento do investigador devia consistir na valorização do raciocínio indutivo-experimental: começar pela observação de fenómenos e, a partir de relações estabelecidas entre eles, elaborar hipóteses que sendo submetidas à experimentação deviam permitir construir leis e teorias gerais a partir da generalização dos resultados das investigações a todos os fenómenos do mesmo tipo. Este procedimento devia ser seguido por todas as ciências, que deviam subordinar-se a esse modelo das ciências “exactas” para atingir estatuto e credibilidade científica.

O raciocínio indutivo permitia aumentar o conhecimento, pois obtém conclusões gerais a partir de premissas particulares, isto é, analisando alguns fenómenos, podemos formular uma lei que os abranja a todos. Assim, podemos ordenar a realidade descobrindo um funcionamento constante e regular e, por isso, prever os fenómenos com base experimental.

Mas será que da observação de um certo número de fenómenos podemos formular leis que se apliquem validamente a todos? E será que o método científico se pode reduzir unicamente a este modelo de raciocínio?


45 – Criticas ao método indutivista:

Hume aponta para o seu carácter ilusório, pois em casos particulares, a observação descobre a relação causal entre fenómenos e induz e generaliza essas relações, mas esta relação causa efeito baseia-se numa crença psicológica, que se estabelece no hábito que os fenómenos se repitam sempre daquele modo.

Popper sublinhou o seguinte: mesmo que tivesse visto milhares de cisnes brancos, isso não prova que todos são brancos, mas o primeiro cisne preto, prova que nem todos são brancos. Popper não acredita que o método da ciência resida na indução, mas sim no método hipotético dedutivo.

Há ciências, situações e domínios de investigação em que se pode partir da observação dos factos, mas há outros em que a investigação é desencadeada por um problema teórico ou por uma mera especulação. Por isso, o método científico inclui também procedimentos dedutivos e hipotético-dedutivos.

No método Hipotético Dedutivo: o investigador ao identificar um fenómeno desconhecido que exige investigação, começa por formular um facto-problema e formula uma hipótese, ou seja, uma possível explicação para a existência desse fenómeno. A hipótese é o momento criativo e inovador da pesquisa, o momento em que o cientista inventa uma suposta solução, isto é, em que constrói um cenário que desencadeará o processo de confirmação ou refutação. A criação de uma hipótese é uma tentativa de explicação e, como tal, tem um carácter provisório, exigindo ser verificável e controlável pela experimentação.

O passo seguinte do processo consiste em deduzir da hipótese consequências preditivas, que deverão acontecer em função das hipóteses formuladas. E a fim de confirmar ou refutar a hipótese, submete e testa essas consequências a uma verificação através de experimentação. A verificação experimental, isto é, o confronto das consequências deduzidas da hipótese com a experimentação determinará a confirmação ou a refutação da hipótese. Se a experimentação confirmar a consequência que se previa, a hipótese é apoiada, aceite, e deste procedimento resulta a formulação de uma lei explicativa dos fenómenos. Caso contrário, se a experimentação refutar ou corroborar a consequência que se previa, a hipótese é rejeitada e formulada uma nova hipótese.

E importante de salientar, a formulação da hipótese tem muito de estético, pois é uma actividade criativa que está associada à intuição e à imaginação, e neste sentido, resulta de um raciocínio abdutivo.

A investigação científica visa a resolução de problemas e, como tal, o primeiro momento do processo consistirá na formulação de um problema. A observação, enquanto momento ou etapa do método científico, não pode ser nem ocasional nem fortuita. Tem de ser metódica e sistematicamente preparada, com a utilização de instrumentos e uma sofisticada aparelhagem técnica para prolongar e precisar o alcance dos nossos sentidos, registando, medindo, quantificando... ou seja, constrói um facto científico. Logo, a observação científica tem sempre implícita uma teoria prévia que a guia e que determina o que deve ser observado.

Portanto, para sintetizar, podemos concluir que o método científico alia observação/experimentação e teoria, indução e dedução.

Por consequência, toda a pesquisa se propõe resolver um conjunto de problemas. Se o investigador não possuir uma boa preparação teórica não poderá ter uma ideia clara dos problemas a pesquisar; se não possuir os conhecimentos necessários para os abordar, para propor hipóteses adequadas e deduzir consequências preditivas, nem para as submeter a controlo experimental, não se poderá considerar um cientista, nem o resultado do seu trabalho se poderá chamar ciência.

A ciência é, pois, constituída por leis gerais que relacionam matematicamente, sempre que possível, enunciados factuais e expressam relações constantes de forma mais ou menos operacional. Combinando e interligando conjuntos de leis e hipóteses coerentes, formamos explicações mais vastas a que chamamos teorias científicas (explicações mais amplas a partir da combinação das leis gerais). Enquanto as leis têm um carácter descritivo das regularidades e variações ocorridas entre fenómenos, as teorias procuram interpretar essas regularidades a partir de um quadro mais vasto, visando deduzir novas leis ou formular hipóteses com vista à explicação de novos factos. Assim, a teoria mecânica de Newton foi elaborada a partir das leis de Galileu e de Keppler.


46 – Karl Popper e o racionalismo crítico

A Indução (não existe) mas antes, Dedução Hipotética.

A ciência não se baseia na indução. Popper nega que os cientistas começam com observações e inferem depois uma teoria geral (do particular para o geral). Em vez disso, primeiro propõem uma teoria, apresentando-a como uma conjectura inicialmente não corroborada, e depois comparam as suas previsões com observações para ver se ela resiste aos testes, mas para Popper, não como uma verdade provada, mas como uma conjectura ainda não refutada, uma hipótese.

No Falsificacionismo de Popper, é muito mais fácil refutar teorias do que prová-las. Um único exemplo contrário é suficiente para uma refutação conclusiva, mas nenhum número de exemplos favoráveis constituirá uma prova conclusiva.

Segundo Popper, a ciência é uma sequência de conjecturas, pois jamais teremos uma conclusão que resista eternamente. As teorias científicas são propostas como hipóteses, e são substituídas por novas hipóteses quando são falsificadas: método hipotético dedutivo.

No entanto, esta maneira de ver a ciência suscita uma questão óbvia: se as teorias científicas são sempre conjecturais, então o que torna a ciência melhor do que a astrologia, a adoração de espíritos ou qualquer outra forma de superstição sem fundamento? Um não-popperiano responderia a esta questão dizendo que a verdadeira ciência prova aquilo que afirma, enquanto que a superstição consiste apenas em palpites. Mas, segundo a concepção de Popper, mesmo as teorias científicas são palpites — pois não podem ser provadas pelas observações: pois são apenas conjecturas ainda não refutadas.

Popper chama a isto o "problema da demarcação" — qual é a diferença entre a ciência e outras formas de crença? A sua resposta é que a ciência, ao contrário da superstição, pelo menos é falsificável, mesmo que não possa ser provada.

Os sistemas de crenças como a astrologia são irremediavelmente vagos, apresentam-se em termos tão imprecisos que nenhumas observações actuais poderão falsificá-la.

O próprio Popper usa este critério de falsificabilidade para distinguir a ciência genuína não só de sistemas de crenças tradicionais, como a astrologia e a adoração de espíritos, mas também do marxismo, da psicanálise, e de várias outras disciplinas modernas que ele considera negativamente como "pseudo-ciências". Segundo Popper, as teses centrais dessas teorias são tão irrefutáveis como as da astrologia.

Popper e o método científico

• O modelo metodológico para a descoberta e o progresso da ciência é o hipotético-dedutivo.

• Não é possível verificar e demonstrar de uma vez por todas, a veracidade das hipóteses científicas.

• Por isso, uma teoria científica nunca é mais do que uma tentativa de explicação do mundo, que permanece sempre conjectural, isto é, uma explicação mais ou menos provável.

• Todas as teorias científicas devem ser permanentemente postas à prova. Segundo Popper, a atitude correcta será tentar demonstrar que a conjectura é falsa ou falsificá-la, pois é assim que a Ciência evolui.

• Portanto, o investigador deve falsificar as teorias, isto é, procurar na experiência os factos que as desmintam, em vez de procurar os factos que as apoiam. Assim, o valor científico de uma teoria está na sua resistência a ser refutada. Uma teoria que resistiu a todas as tentativas de refutação é uma teoria corroborada.

Popper é um profundo crítico do procedimento indutivo e justifica assim: Se não podemos observar todos os factos, como poderemos generalizar e afirmar que aquilo que foi observado num certo número se aplica a todos?

Popper conclui que, por maior que seja o número de observações particulares, não há justificação lógica para a sua generalização a todos os casos. Há sempre a possibilidade de factos ainda não observados virem a contradizer a conclusão. Mesmo que se tenha observado milhares de cisnes brancos, nada nos autoriza a afirmar que “todos os cisnes são brancos” e bastará uma única observação de um único cisne negro para refutar aquela proposição.

• Como não podemos fazer verificações completas, as teorias nunca podem ser confirmadas em definitivo. Podem é ser “corroboradas”. Para ser corroborada, uma teoria terá de ter resistido às tentativas mais sérias e severas de falsificabilidade e, nessa qualidade de teoria corroborada, será aceite provisoriamente pela comunidade científica, que deverá continuar a submetê-la permanentemente à prova.

• A ciência deve ser concebida como uma sequência de tentativas e provocar os desmentidos da experiência, fazendo da falsificabilidade o critério de demarcação entre Ciência e Pseudociência.

• Popper propõe que em vez de teoria se fale em conjecturação e, em vez de verificação, se fale em falsificabilidade.

 

47 – Kuhn a Evolução Científica e a Teoria dos Paradigmas

Thomas Kuhn foi um crítico das teorias indutivistas e falsificacionistas. Um dos pontos centrais da sua teoria é a importância que atribui ao carácter revolucionário do progresso científico. Na sua perspectiva, uma revolução supõe o abandono de uma estrutura teórica, a que chama paradigma, que é substituída por uma outra incompatível com aquela, descontínua. Um outro aspecto importante da sua perspectiva é o papel desempenhado pelas características sociológicas das comunidades científicas. Os cientistas trabalham no seio de uma comunidade científica e este facto é importante para o trabalho científico.

Kuhn e a questão do progresso da ciência

Pré-ciência - Comunidade científica – Paradigma – Ciência Normal – Anomalias – Crise – Ciência extraordinária – Revolução científica = Novo Paradigma de Ciência Normal

A ciência que não possui um paradigma é considerada imatura, pois encontra-se num estádio pré-científico ou pré-paradigmático. Para Kuhn há ciência quando há uma Comunidade Científica: um conjunto de cientistas que consensualmente, numa determinada época do desenvolvimento da ciência aceitam um Paradigma.

Paradigma é o conceito-chave da epistemologia de T. Kuhn e refere-se aos supostos teóricos gerais, as leis e as técnicas para a sua aplicação, que os membros da comunidade adoptaram. O paradigma estabelece as normas necessárias para tornar legítimo o trabalho do cientista na comunidade científica e coordena e dirige a actividade de resolver problemas.

Um Paradigma, é uma visão geral do mundo que durante algum tempo é universalmente aceite e que inclui não só uma teoria dominante, como também princípios filosóficos, uma determinada concepção metodológica, leis e procedimentos técnicos padronizados para resolver problemas na comunidade científica.

Num paradigma encontramos: Leis explicitamente estabelecidas e os suportes teóricos. Os procedimentos normais de aplicar as leis fundamentais aos diversos tipos de situações. Os instrumentos e as técnicas instrumentais necessárias, alguns princípios metafísicos muito gerais que guiam o trabalho dentro do paradigma, alguns princípios metafísicos muito gerais que guiam o trabalho dentro do paradigma e ainda algumas prescrições metodológicas muito gerais.

A existência de um paradigma, apoia a tradição da ciência normal, determina a actividade científica normal e distingue a ciência da não ciência.

E na aceitação do paradigma pela comunidade, a Ciência vive o seu período e o seu estatuto de Ciência Normal, em que o paradigma é encarado como um dado adquirido que não deve ser desafiado e a própria comunidade encontra-se disposta a defende-lo, mesmo que seja necessário pagar um preço elevado. Kuhn descreve a ciência normal como a actividade de resolver problemas dirigida pelas regras do paradigma e estes problemas são tanto de natureza teórica como experimental, são enigmas que um cientista que faça ciência normal pressupõe como parte do jogo que pratica. Kuhn chama mesmo aos cientistas solucionadores de puzzles, na medida em que uma resposta pode ser encontrada como um problema de palavras cruzadas. O cientista em trabalho de ciência normal pressupõe que um paradigma lhe dá os meios adequados para resolver os problemas que lhe aparecem. Perante o falhanço na resolução de um problema, o cientista considera que este resulta mais de si próprio do que de uma insuficiência do paradigma, poia acima de tudo, o cientista, acredita piamente no seu paradigma – é um dogmático, e só assim se sente à vontade para realizar o seu trabalho de exploração e de interpretação da natureza em profundidade.

Porém, por vezes, falhanços acontecem. A estes falhanços Kuhn chama anomalias que surgem de um ou outro problema sem solução. Por vezes, um problema normal que deveria resolver-se por meio de regras e procedimentos conhecidos, resiste a esforços persistentes dos mais notáveis especialistas. Outras vezes, um instrumento concebido e construído para a investigação normal não dá os resultados esperados, revelando uma anomalia que, apesar dos esforços repetidos, não corresponde às esperanças profissionais. A ciência normal perde-se muitas vezes neste e noutros embaraços. E este aparecimento de anomalias no seio do paradigma não é, à partida, um problema. Porém, quando as anomalias que o paradigma não resolve se vão acumulando os próprios fundamentos do paradigma são postos em causa e acabam por dar origem a períodos de Crise: momentos críticos em que o consenso dá lugar à divisão, à formação de grupos que procuram outras teorias e outros fundamentos.

E neste período crítico aparece a Ciência Extraordinária, como consequência da crise instalada. E esta crise torna-se definitivamente séria quando um novo paradigma se começa a formar. Estes episódios extraordinários em que têm lugar essas mudanças de paradigmas cheias de controvérsias, são as características que definem as revoluções científicas e que vão exigir uma espécie de conversão mental por parte de quem o adopta.

 
Kuhn e a questão da objectividade

A revolução científica corresponde ao abandono de um paradigma e à adopção de um novo paradigma, não por parte de um cientista isolado, mas por parte de toda a comunidade científica. A substituição de um paradigma por outro nunca se processa com rapidez. O paradigma emergente começa por ser encarado com desconfiança pelos investigadores cuja mente se formou no clima de outro paradigma. Não é fácil aderir a uma concepção de mundo diferente, a pressupostos teóricos novos e a metodologias inéditas, sugeridas por um paradigma diferente. Tendo investido psicologicamente na velha matriz disciplinar, os cientistas tendem a resistir à novidade que lhes está a ser apresentada e a que são convidados a aderir.

O novo paradigma será muito diferente do velho e é incompatível com ele, pois traz uma nova visão do mundo que estabelece a ruptura com o paradigma anterior. Kuhn aponta neste caso, a incomensurabilidade que existe entre o paradigma velho e o paradigma novo. O novo paradigma, embora não explique todos os factos anteriormente não explicados, é melhor que os paradigmas com que compete e introduz uma nova maneira de pensar a respeito dos problemas fundamentais, e embora não mude o mundo, pois este permanece o mesmo, acarreta para o cientista um tipo de trabalho diferente e, por consequência, uma nova visão do mundo.

A mudança de paradigma leva a que de facto os cientistas encarem de forma diferente o seu universo de pesquisa. Com o novo paradigma tudo se reorganiza. Os compêndios são reescritos e parece que o novo paradigma era, afinal, o resultado do progresso da ciência. E de acordo com esta perspectiva, Kuhn põe em causa o progresso cumulativo, característico das concepções indutivistas da ciência. Para estes, o conhecimento aumentava continuamente à medida que se vão fazendo mais observações, permitindo que se formam novos conceitos e novas relações. Segundo Kuhn, a mudança de um paradigma para outro não é cumulativa, é incomsensurável, corresponde a um modo qualitativamente diferente de olhar o real.

Kuhn, para ilustrar este modo qualitativamente diferente de olhar o real, exemplifica com as imagens da Psicologia da forma (Gestalt): as suas imagens ilustram a inesperada e total mutação de formas que ocorre de um paradigma para outro. A verdade e a objectividade são relativas ao paradigma em que se inserem: aquilo que é verdadeiro num paradigma pode não ser noutro.

E à semelhança da escolha entre instituições políticas rivais, a escolha que se verifica entre paradigmas rivais revela ser uma escolha entre comunidades incompatíveis. Quando os paradigmas são incluídos, num debate de escolha entre paradigmas, o seu papel é necessariamente circular, pois cada grupo utiliza o seu próprio paradigma para argumentar em defesa do próprio.

A escolha entre teorias rivais obedece a critérios de dois tipos: a critérios partilhados por toda a comunidade científica, dependentes de factores objectivos, isto é, princípios, regras e até valores comummente adoptados; e de critérios individuais, dependentes de factores subjectivos, relativos ao que individualmente cada cientista sente e pensa, de acordo com a sua história de vida e a sua personalidade, em relação à teoria que elege.

Estabelecido o novo Paradigma, segue-se um novo período de ciência normal. Os cientistas irão aprofundar teoricamente o novo paradigma, resolver os problemas de acordo com ele, isto é, com os novos modos de solução assimilados, evitando pôr em causa esse modelo.

 
Segundo Kuhn, os 5 critérios objectivos utilizados pelos cientistas na escolha de uma teoria são:

Uma teoria será preferível a outra quando contém [Exactidão] e é capaz de fazer previsões correctas daquilo que se observa; quando a [Consistência] é compatível com outras teorias aceites em dado paradigma; quando o [Alcance] permite explicar mais fenómenos; a [Simplicidade] explica melhor e de maneira clara o problema ou anomalia; e quando a sua [Fecundidade] é capaz de levar a novas descobertas científicas. Estas ideias constituem critérios objectivos ou padronizados empregues por todos os cientistas na avaliação das diferentes teorias.

Para Kuhn, a subjectividade está presente não apenas no contexto de descoberta de novas teorias, mas também no contexto da sua justificação. Sujeito e objecto de conhecimento não são puros mas sempre contextualizados. Todavia, se a escolha de dada teoria depende (em parte) de factores subjectivos, isso não significa que não seja possível encontrar boas razões que permitam justificar a escolha ou a preferência por uma teoria em detrimento da sua rival.

Neste sentido, a ciência passa a ser vista de outro modo, ou seja, adquire outro estatuto, em que a validade das teorias está dependente do paradigma no qual se inserem. Os cientistas devem convencer os seus pares da comunidade em que se integram da razoabilidade e plausibilidade das suas teorias, recorrendo a processos argumentativos. Portanto, mais do que objectividade, devemos falar em intersubjectividade.

Para Kuhn, e contrariamente a Popper, não existe conhecimento sem conhecedores, e a forma como se acolhe um novo paradigma pode estar dependente da própria história pessoal do cientista, de uma certa subjectividade, que se revela decisiva.

A aceitação ou rejeição de um paradigma estará, no mínimo, dependente não da realidade, mas dos rivais que já existem, reais ou potenciais. Quando os cientistas têm de escolher entre teorias rivais, dois cientistas completamente comprometidos com a mesma lista de critérios de escolha racionais podem, contudo, chegar a conclusões diferentes.

Assim, quando Kuhn fala em progresso, não se trata de progresso no sentido de obter uma representação cada vez mais fiel de uma realidade objectiva. Ele refere-se, essencialmente, ao progresso da evolução que se vai tornando cada vez mais sofisticado e complexo, mas sem fim último à vista.